Natal das Antigas

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Alecrim: Colégio Nossa Senhora das Neves

Por Prof. João Vítor da Cruz e Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Fotos: Museu da Memória 88 anos - Colégio das Neves

No ano de 1925, na cidade de Caicó, se dá a chegada das irmãs Alberta Garimberti, Imaculada Widder, Anunciada Caldas e Luísa Dantas, advindas do Rio grande do sul, onde chegaram cinco anos antes, vindas da Áustria, seu país de origem. As irmãs da congregação Filhas do Amor Divino foram logo convidadas a assumir o Educandário Nossa Senhora das Vitorias, em Assú. Porém, em 1932, uma grande seca foi registrada. AS irmãs pediram então conselhos ao bispo da diocese, Dom Marcolino Dantas, que respondeu-lhes rapidamente, através de um telegrama, ordenando que as irmãs viessem para Natal.

Getúlio Vargas

Nessa época, o Brasil passava por grandes mudanças no âmbito social, político, econômico e, consequentemente, no educacional. Temos o Tenentismo questionando o poder das oligarquias e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Este, ao tornar-se presidente, impõe uma nova constituição ao país que torna a educação pública e obrigatória, isso causa uma grande transformação na forma como o país via as escolas. A chamada Reforma Francisco Campos propõe uma alteração no currículo nas Escolas de toda a república, assim propõe uma nova maneira de ver a educação brasileira. Sobre a reforma educacional Romanellin ressalta:

Entre as modificações a partir da Reforma, para o ensino secundário, pode-se citar a determinação definitiva do currículo seriado, a frequência obrigatória, a divisão do ensino em dois ciclos, sendo um fundamental e o outro complementar, e a obrigatoriedade da habilitação nessas etapas para o ingresso no ensino superior. É inegável que realmente existiu uma reforma nessa categoria e que se atribui o mérito para uma organicidade no ensino secundário. (Romanelli,1986, p.136-7)

Nesse contexto no dia 05 de agosto de 1932 se dá a fundação do Colégio das Neves no bairro do Alecrim. No dia de Nossa Senhora das Neves, o colégio foi fundado no bairro do Alecrim, onde os grupos escolares estavam concentrados. Inclusive, o primeiro prédio da escola ficava exatamente em frente ao Instituto Frei Miguelinho (onde hoje funciona um posto de gasolina).

Foto: Museu da Memória 88 anos - Colégio das Neves

O colégio, a princípio, com uma educação voltada para meninas,  que trouxe uma nova perspectiva sobre o ensino, incentivo a arte e aos esportes. Ao começar as aulas em 1932, o colégio tinha 26 alunas, no início do ano de 1933 já contava com 92 alunas externas e 14 alunas que estudavam no sistema de internato. A educação oferecida pelas irmãs caiu nas graças da elite potiguar e logo o espaço do prédio alugado já não era suficiente para atender a procura por vagas. Acompanhadas da superiora geral da congregação, Madre Kostka Bauer, as irmãs compravam um sítio, na lateral da Igreja São Pedro, de propriedade do sr. João Tinoco Filho, onde construíriam a sua nova escola.

Em 17 de janeiro de 1935 foi lançada a pedra fundamental do atual prédio e, dois anos depois, as aulas já se iniciavam nas novas instalações com o curso primário (atual Ensino Fundamental I), ginasial (atual Fundamental II,) e Comercial (atual Profissionalizante, que a primeira turma tinha 14 alunas), além de outras atividades como cursos de piano, acordeon, pintura , costura, bordado, datilografia e línguas como inglês, frances e alemão. Um elemento interessante é que, com a construção deste novo colégio católico na cidade, as meninas que estudavam no Departamento Feminino do Colégio Santo Antônio - Marista foram transferidas para o Nossa Senhora das Neves.

Em 1945 ocorreu sua primeira ampliação, com a construção do Pavilhão Cristina, e no ano seguinte da ala direita e também da capela, inaugurada em 1950, com a presença do Monsenhor Nivaldo Monte e Dom Marcolino Dantas. Além da benção à casa de oração, também foi erigida uma imagem de Nossa Senhora das Graças no jardim interno da instituição. A cerimônia contou com a presença da Superiora Geral da congregação, Madre Huberta Burchman e da superiora provincial Madre Cristina Wlastnik, além de inúmera autoridades e das ricas famílias da capital.

Em 1957, o colégio ganha seu Grêmio Cultural Rui Barbosa, que no ano seguinte lança seu jornal, O Reflexo. Em 1962, o grêmio é substituído pelo Diretório Estudantil Monsenhor Nivaldo Monte, que vai permanecer até 1980, quando se funda o Centro Cívico Escolar Madre Auxiliadora Nóbrega de Almeida.

Em 1964, se inicia o curso gratuito noturno, também para moças, com 154 alunas. E, em 1966, o curso Comercial é extinto na escola, mantendo agora apenas o curso Científico que fora instalado em 1948. A escola permanece unicamente feminina até 1975, quando os meninos também são matriculados e integrados às turmas. Em 1980, o Colégio abre o semi-internato (em que os alunos permanecem na escola durante todo o dia e voltam para casa somente para dormir) e o mantém até 2001.

Panopticon, de Jeremy Bentham

Uma questão interessante que vale a pena retornar é sobre a arquitetura do colégio. Ela foi inspirada na ideia do filósofo inglês Jeremy Bentham sobre o Panoptismo. Segundo o filósofo, o conceito de panóptico dava as autoridades o controle total da vigilância, criado especificamente para prisões e, posteriormente, introduzidos em conventos, mas ele também foi amplamente utilizado em escolas e hospitais em todo o mundo. Nas prisões, ficava somente um guarda em uma torre elevada,  no centro , e ao redor desta torre ficavam as celas, esse guarda tinha total visão sobre o comportamento dos apenados. A arquitetura panóptica tem como principal objetivo obter o total controle físico e mental, com observância de comportamento e de total vigilância sobre os indivíduos. Michel Foucault, um historiador francês, divide o panoptismo em duas esferas que são o Panoptismo Real, que traz a figura do um indíviduo, que pode ser o rei, como principal centro de poder, isso impõe uma ideia de autoridade direcionada a uma pessoa, a qual tem um poder ostensivo, de controle sobre os outros indivíduos; e o Panoptismo Disciplinar que tem como principal característica a domesticação do corpo, sua docialização, para torcar cada indivíduo mais obediente e mais submisso.

Um exemplo da adaptação da arquitetura panóptica, o Hôtel Dieu, em Paris (um hospital).

             
Foucault argumenta que o Panóptico nada mais é do que o apogeu instrumental da sociedade de controle, o arauto arquitetural da ordem disciplinar. Segundo o filósofo francês, o panoptismo é o fator determinativo referente às relações de poder da sociedade moderna estabelecidas através da contínua vigilância, controle e correção. (GONÇALVES, 2008).

Henrique Lucena fala:

“A ideia é que corredores, jardins e pátios se transformassem em um constructo social de controle sobre as pessoas, controle sobre o comportamento, controle sobre a mente, a ideia é que a direção, que a coordenação, que aquele que determina o poder, teria sobre os corpos, uma ação de observação, uma ação de policiamento sobre isso. É assim que a arquitetura do Colégio das Neves se apresenta” (LUCENA, 2020).

Vejamos algumas fotos que demonstram a adaptação da teoria de Bentham no colégio potiguar:

Apesar desta arquitetura opressora, o Neves acabou sendo um local em que a educação feminina foi considerada inovadora. Desde 1948, por exemplo, as meninas tinham aula de disciplinas como Química, Física e Biologia, tendo exatamente o mesmo currículo que as escolas masculinas; outro ponto importante é a Educação Física. O Ginásio existe desde 1937, e em 1970, após uma reforma, e batizado de Ginásio Madre Fidélis, abriga os I Jogos Olímpicos Interclasses, dois anos depois a escola também participa da primeira edição dos Jogos Escolares da Província. Era muito inovador estimular a participação feminina em esportes neste período.

 

Para Saber Mais:

Davidson Gonçalves. O panóptico de Jeremy Bentham: por uma leitura utilitarista.

Henrique Lucena. Museu da Memória 88 anos - Colégio das Neves

Marli Araújo. Museu da Memória 88 anos - Colégio das Neves..

Walquíria Lima. Educação na Era Vargas: manifesto dos pioneiros da Educação Nova (1930-1937)