Genealogia dos Bairros: Cidade Alta

Praça André de Albuquerque - Visão da Casa de Câmara e Cadeia (fotos: CD Room Natal 400 anos)

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares




Começaremos agora uma nova série aqui no blog contando a história dos bairros de nossa capital, Natal. Inspirados pelo grande livro Nova História de Natal, de Itamar de Souza, vamos contar como nasceram, foram batizados e cresceram os bairros da capital potiguar.




Cidade Alta

Começando pelo começo, o primeiro sítio da chamada cidade foi aquele ao redor da praça André de Albuquerque, que contava com a igreja matriz, a casa de câmara e cadeia, sede do governo e da câmara municipal, além de prisão e moradia do capitão-mor, e as demais dezesseis casas que em 1620 rodeavam o quadrilátero urbano. Contudo, esta não é a primeira região habitada de Natal.

Praça André de Albuquerque

Os indígenas potiguaras viram, de sua imensa aldeia em Igapó, os portugueses subirem o morro e se fixarem na parte mais alta, por uma questão de defesa, daí o nome Cidade Alta; e estes mesmos portugueses não chegaram e vieram diretamente para a cidade. Quando eles chegavam, primeiro, se fixaram no povoado de Santos Reis, aos pés do forte, somente depois, subiram para a cidade. Por isso, a Cidade Alta nasceu em 1599, junto com Natal; mas Santos Reis é de 1598; e Igapó nasceu em tempos imemoriais (somente grandes pesquisas arqueológicas, ainda por serem realizadas, poderiam tentar determinar quando os potiguaras fundaram sua aldeia, que quando os portugueses chegaram já era chamada de Aldeia Velha).

Praça André de Albuquerque, 1911.

A Cidade Alta, contudo, logo se tornou a região da cidade para onde fluía o poder. As famílias ricas, donas de engenhos, possuíam casas no bairro, apesar de viverem nas protegidas casas grandes. Nela se reunia a câmara municipal, em que os vereadores eleitos vinham de toda a capitania, e o capitão-mor dava seu expediente. Isto durou até 1869, quando mudanças econômicas deslocaram o poder dos produtores de açúcar do litoral para os cotonicultores do sertão, tornando o porto, na Ribeira, mais importante. Isso faz com que o até 1902, o governo do Estado, funcione em um sobrado na Rua Chile.

Palácio Potengy - 1920

É Alberto Maranhão, no início do século XX, quem restaura o poder da Cidade Alta, trazendo o governo do estado para o Palácio do Tesouro, hoje conhecido como Palácio Potengi (ele recebeu esse nome em 1954). Em 1914, o governador Ferreira Chaves decidiu que o palácio deveria ter uma praça ajardinada diante dele, e mandou derrubar todas as casas de um quarteirão da rua da Conceição para levantar a praça Sete de Setembro. Hoje este logradouro é conhecido também por Praça dos Três Poderes, pois reúne o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa, porém estes prédios só foram construídos em 1971 e 1982, respectivamente. E, do outro lado da praça, se ergueu em 1909, o prédio da Intendência Municipal, que em 1921 se chamaria Paço Municipal, que ganhou as atuais feições em 1922, a prefeitura, no entanto, só começou a ser chamada de Palácio Felipe Camarão em 1955.

Praça Sete de Setembro - 1914

Praça Sete de Setembro 1989

Por que o poder político retorna a Cidade Alta?, você deve perguntar. Nós respondemos que é porque o poder espiritual nunca a abandonou. Quando falamos em poder espiritual, estamos falando especialmente sobre o período colonial em que a Igreja Católica estava intimamente conectada com o poder secular, pela instituição do padroado. Era a igreja católica a responsável pelas certidões de nascimento, de casamento, de óbito, o que permitia um controle efetivo da demografia e dos deslocamentos populacionais.

No bairro, nós temos as três igrejas que dominavam toda a cidade. A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, datada de 1601; a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, construída para ser frequentada pelos escravos, em terreno doado em 1706, mas que demorou quase dez anos para ficar de pé (1713); e a Igreja de Santo Antônio dos Militares, erigida em 1763, mostram como estava dividida a sociedade potiguar. A elite, os escravos e os militares da cidade não se encontravam para celebrar aos domingos juntos. Cada um tinha seu espaço. Mas todos eles precisavam vir até a Cidade Alta, pelo menos aos domingos, o que garantia a igreja algum controle em nome do Rei.

Um elemento interessante sobre a Igreja de Santo Antônio, também conhecida como Igreja do Galo, é que o documento que autoriza a sua construção afirma que ela fora construída já nos limites da cidade, o que nos permite imaginar como Natal era ainda minúscula nos fins do século XVIII. Por isso, inclusive, a igreja também servia como quartel para os policiais que trabalhavam na defesa das ruas da capital. O quartel, que na década de 1930 tornou-se convento, permaneceu até o século XX sendo utilizado pela polícia potiguar (em 1908, eles são instalados no novo quartel no novo limite da cidade, a Av. Rio Branco, na atual Escola Estadual Winston Churchil).

Até o início do século XX, a Cidade Alta não passava de duas ruas (a Rua da Conceição, chamada também de Rua-de-beber-água, à leste, e a Rua Padre João Manoel, a oeste) com uma relação intensa com o Passo da Pátria, pelo Beco Novo (atual Voluntários da Pátria), e a Ribeira, porém sem conexão direta com ela. Porém, em 1888, já percebemos uma expansão em direção a leste. São nomeadas pelo menos 27 ruas, entre elas o caminho que vai para a tapera de Maria de São Tomé, que vai se tornar a Rua São Tomé; a Travessa do Correio, que vai se tornar a Ulisses Caldas; a Rua Nova, um areal que vai se tornar a Avenida Rio Branco; a Rua do Sarmento, que mais tarde vai se tornar Rua João Pessoa; a Rua dos Tocos, que será a Rua Princesa Isabel, e a Rua da Luz onde mora o Cabo Pereira, que se tornará a Rua Felipe Camarão, limite da cidade.

Av. Rio Branco - 1914

Somente com as reformas urbanísticas, pensadas por Alberto Maranhão e Tavares de Lira, que se constrói uma conexão com a Ribeira, além da do empedramento - com pedaços dos arrecifes - da Avenida Barão do Rio Branco ), que leva a avenida até o Baldo. Também temos a instalação de uma série de aparelhos urbanos no bairro como as praças Auta de Souza em 1902; João Tibúrcio (que inicialmente se chamava 24 de Maio, em homenagem a D. Pedro II), em 1903; Praça Padre João Maria (antes chamada Praça da Alegria) em 1906 e a Praça das Mães (inicialmente Pedro Velho), em 1909. E a organização das ruas entre a Avenida Rio Branco e a futura Av. Deodoro da Fonseca. Em 1906, todas as ruas da cidade eram iluminadas com lâmpadas de acetileno. E em 1911, o bonde subia a Av. Câmara Cascudo e a Av. Rio Branco, conectando a Cidade Alta aos baixios da Ribeira e do Baldo, e fios de telefone já se espalhavam nos postes da cidade.

Avenida Rio Branco - 1920

O bairro continuou completamente residencial até 1935, quando foi instalado um Mercado Público na Av. Rio Branco, construído pelo prefeito Gentil Ferreira. Ele funcionou até 1967, quando um imenso incêndio destruiu o prédio. Em 1936, graças ao movimento gerado pelo mercado, o Cine Rex abriu suas portas na mesma avenida. E, a partir de 1940, a primeira loja de departamentos da cidade, as Lojas Brasileiras, abriram suas portas. Elas foram seguidas pelo Cassino Natal (1943) e a Fábrica Santa Lígia, de tecelagem (1945). Todavia, é somente na década seguinte que o bairro ganha sua vocação comercial. A Formosa Syria, de moda e calçados, se instala em 1952; a Casa Régio, de eletrodomésticos, e a Casa Rio, abrem em 1956; a Livraria Universitária e a Nova Paris, de jóias, em 1959.

Em 1951, o primeiro prédio, com incríveis cinco andares, é construído na esquina da João Pessoa e Rio Branco, se chamava Edifício Amaro Mesquita e no seu térreo abrigava o Café Grande Ponto, que se tornaria o local de encontro da intelectualidade potiguar nas décadas seguintes, até a chegada do Café Majestic, do poeta Jorge Fernandes. No ano seguinte, o Edifício São Miguel, com seis andares é levantado.

Av. Rio Branco - 1957

Nas décadas seguintes, a Cidade Alta tornou-se um centro comercial de elite, enquanto o Alecrim ocupava um lugar de comércio popular. Contudo, com a ascensão dos shoppings a partir da década de 1990, o comércio de rua, especialmente de artigos de luxo, tem sido impactado diretamente em todo o Brasil, e não é diferente com as lojas do centro natalense. Movimentos como o Viva o Centro, tem tentado restaurar este espaço, especialmente a partir de iniciativas culturais como o Beco da Lama e o Espaço Cultural Ruy Pereira, que tem trazido ao bairro novas vivências e sociabilidades.




Para Saber Mais:

Carlos Eduardo da Hora. Natal ontem e hoje.

Daniela Nunes (org.). Conheça melhor seu bairro: região administrativa leste.

Itamar de Souza. Nova História de Natal.

Luciano Magnus de Araújo. Visões da Cidade: da cidade histórica aos bairros da Cidade Alta e Ribeira em Natal/RN