História da Arte Potiguar: Escultura Barroca

Nossa Senhora do Rosário (século XVIII)

Nossa Senhora do Rosário (século XVIII)

Por Prof. Lenin Campos Soares

A Escultura Barroca se dividem em dois tipos: as imóveis, que envolvem a decoração de igrejas como retábulos e revestimentos de paredes, e as móveis, que envolvem estátuas, especialmente aquelas usadas no culto católico (imagens de santos). Nos dois casos, eles são considerados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), desde 1980, como bens integrados aos monumentos tombados. Isto quer dizer que se uma igreja é tombada pelo patrimônio histórico, as imagens dos santos são tombados juntos e passam a pertencer a toda a população brasileira, sendo crime vendê-las para mantê-las em coleções privadas.

No caso dos bens imóveis, os templos brasileiros possuem um inestimável conjunto de talha em madeira dourada e policromada. O termo talha fala de qualquer material feito em madeira esculpida, que pode ser coberta por folhas de ouro (talha dourada) ou podem ser pintadas com tintas (talha policromada). Os tipos mais comuns de talha encontrados são os revestimentos parietais (decorações nas paredes como lambris), retábulos (que guardam imagens de santos) e púlpitos (local de onde o sacerdote pregava para a assembleia).

Segundo Sandra Alvin, os revestimentos em talha podem ser organizados em forma contínua, fazendo uma ligação constante entre a nave (onde sentam-se as pessoas) e o altar-mor (onde está o sacerdote), ou de forma não-contínua, com isolamento de alguns elementos ornamentais, tendo concentração em torno de púlpitos, retábulos ou fixados no arco do cruzeiro.

Um dos elementos de talha mais grandiosos das igrejas são os retábulos, “por trás da mesa”, que decoram os altares.

Retábulo Barroco Dom João V

Retábulo Barroco Dom João V

Retábulo Rococó

Retábulo Rococó

“Sua conformação estrutural obedece a uma lógica simbólica e funcional: no centro, de baixo para cima, em primeiro plano, se encontra a mesa do altar, onde o sacerdote manipula as alfaias e onde ficam dispostos o crucifixo, o lecionário, o missal, as sacras e as velas. As missas no período colonial eram rezadas com o padre olhando para o altar e de costas para o público, por isso as mesas do altar eram coladas no retábulo. Um pouco acima da mesa do altar, ao alcance do sacerdote, encontra-se o sacrário, pequeno templo em madeira dourada, mármore ou em metal contendo o ostensório e a âmbula. No retábulo-mor (principal retábulo da igreja), atrás e um pouco acima do sacrário aparece um nicho com a imagem do padroeiro – este nicho geralmente é suprimido nos retábulos laterais. Por detrás do nicho, no caso do retábulo-mor, ou do sacrário, no caso dos retábulos laterais, ergue-se o trono. O último degrau do trono servia de base para a representação do Santíssimo Sacramento, no caso de igrejas matrizes, ou do padroeiro da igreja. Todos esses elementos são envolvidos pela estrutura retabular, que se ergue por detrás da mesa do altar” (FABRINO, 2012)

Alguns elemento decorativos são extremamente característicos do Barroco e aparecem nestes retábulos. Por exemplo, as folhas de árvores e ervas, além de frutos e flores. Cada um deles possuía um simbolismo. As árvores significavam a vida humana; as ervas indicavam, pelo contrário, a brevidade da vida; as espigas representam fartura; frutos representam realizações, e as flores significam esperança. Dentre as árvores e ervas, plantas diferentes tinham significados diferentes: cedro representava excelência, cipreste, incorruptível, e o plátano, alteza. Entre as flores, jacinto indicava sabedoria; narciso, gentileza; e lírio, pureza. Entre as frutas, a maçã tinha significado de discórdia; o pêssego, intimidade; e a pera, perfeição. No Dom João V, estes elementos aparecem em grinaldas, festões de flores e feixes; e todos os espaços são preenchidos, normalmente sob fundo escuro ou dourado. Existe também a presença de seres antropomórficos, como anjos - especialmente querubins e serafins - e atlantes. Estes temas desaparecem no Rococó quase por completo. Neste estilo, os rocailles que dão nome ao estilo preferem conchas, laços, flores e folhagens.

Um elemento interessante que aparece no Barroco brasileiro, em especial do nordestino, é a inserção de frutas e animais nativos em nossas esculturas. Principalmente depois do texto do frei Antônio do Rosário, escrito em 1702, chamado de Frutas do Brasil, em que ele dá significado simbólico a flora brasileira. Ele descreve trinta e seis frutas, entre elas o abacaxi, o caju, a goiaba, a mangaba e a pitanga,

Veja abaixo os retábulos da Igreja de Santo Antônio dos Militares, a Igreja do Galo, em Natal, e a Igreja de Nossa Senhora do Ó, em Nísia Floresta:

Além dos retábulos, no Museu de Arte Sacra também temos algumas esculturas barrocas. As imagens religiosas são, no mundo todo, o maior número de imagens barrocas que foram produzidas. Uma característica importante desta escola é que os artistas tinham a liberdade de colocar traços físicos das populações locais nas figuras que representavam. Um bom exemplo são as Madonas de Ataíde, em Minas Gerais, com feições mestiças; ou as imagens de Jesus Cristo, produzidas em Goa e Macau com feições hindus ou chinesas.

As imagens religiosas se dividem em quatro tipos: as imagens retabulares, que tinham função devocional, e eram entronizadas nos nichos dos retábulos das igrejas, seu objetivo era a participação do culto. Como elas são feitas para serem vistas somente pela frente, elas tem o esmero de sua talha e policromia somente na parte da frente da escultura; o segundo tipo é as imagens de roca, ou de vestir, que eram usadas em procissões, tinham tamanho próximo ao natural e eram esculpidas apenas nas partes que ficavam expostas (rosto e braços), nas outras partes que ficavam cobertos pela roupa vemos apenas ripas e articulações que permitiam mudar a posição da imagem; o terceiro tipo de imagem é a narrativa, são imagens em conjunto que só fazem sentido quando expostas unidas, elas narram passagens da Bíblia, especialmente o nascimento de Jesus (Presépios) e a Páscoa (Via Sacra); o último tipo são as imagens de oratório, que eram destinadas ao culto familiar, costumava ser menores e, raramente, possuíam muita qualidade no seu trabalho artístico.

As principais características da escultura barroca é a movimentação. O panejamento (a roupa dos personagens) e os cabelos estão sempre em movimento, como se o vento os movesse ou se o personagem tivesse sido congelado no momento em que se movia. As cores e o uso de aplicações em ouro, que adicionam brilho, também são uma característica deste tipo de escultura. Um elemento importante que é pouco explorado são as bases, é o Barroco quem inventa que este também é um espaço que deveria ser trabalhado, então surgem nuvens e querubins aos pés dos santos, especialmente aos pés de Nossa Senhora.

Nossa Senhora do Rosário (século XVIII)

Nossa Senhora do Rosário (século XVIII)

Vejamos um dos exemplos do museu natalense, temos aqui uma Nossa Senhora do Rosário, do século XVIII, em que observamos este panejamento em movimento. O manto em especial, que cruza o vestido, causando já uma sensação que quebra na pose estática, cai de forma irregular, formando curvas sinuosas. Vemos também as aplicações douradas no seu vestido e no manto, além das cores vermelha e azul que tingem a madeira (isto é importante porque a cor azul é bem difícil de ser produzida, o que indica que esta escultura foi provavelmente muito cara). A escultura perdeu um braço, provavelmente aquele que segurava o rosário.

Um outro exemplo que temos no museu que fica na Igreja do Galo, é a imagem de Nossa Senhora da Conceição. É também do século XVIII e apresenta a base esculpida com querubins e nuvens (isto indica que ele é provavelmente mais recente) e ela é tingida com verde e vermelho, além do douramento. Esta escultura, no entanto, tem menos movimento do que a apresentada anteriormente, apesar da presença do manto cruzando a imagem e o caimento irregular do tecido em vários pontos (mangas, véu na cabeça, barra do vestido)

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