Genealogia dos Bairros: Bom Pastor

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares



A região que deu origem ao bairro do Bom Pastor era, primitivamente, chamada de Baixa da Égua, nome este que significava um lugar extremamente distante do centro e, por isso, se deslocou conforme a cidade avançava. Inicialmente a Baixa da Égua se localizava no atual Barro Vermelho e, conforme, a cidade avançou para a região, o nome foi jogado para mais longe. 

De início, a região era uma extensão das Quintas, e estava povoada por migrantes do sertão e refugiados das secas de 1934 a 1936. Este foi uma das mais intensas estiagens sofridas no nordeste brasileiro, e causou uma quantidade de mortes e de migrações que a seca passou a ser vista com outros olhos pela elite política brasileira. Ela se tornou a partir de 1930 um problema nacional, não era mais uma questão relativa apenas a população nordestina.

Contudo, o que marca, de fato, a criação do bairro foi a Casa Bom Pastor, fundada pelo então padre Eugênio de Araújo Sales, em 1948. O objetivo da obra social era acolher meninas que haviam tido relações sexuais fora do casamento e que, por esse motivo, eram expulsas de casa por seus pais. A casa acolhia também mães solteiras como também ex-prostitutas. O terreno foi doado pelo prefeito Sylvio Perdoza, como vemos no Diário oficial do município:

“É doado a obra do Bom Pastor o terreno constante da planta anexa, no bairro das Quintas, desta capital, medindo 200 metros de frente ao longo da linha telegráfica (...), desmembrada do terreno adquirido por esta prefeitura para localização do forno de incineração de lixo da cidade” (DIÁRIO OFICIAL, 18/01/1948.)

Para construir a casa de acolhimento, o futuro Dom Eugênio mobilizou as senhoras ricas da cidade para levantar os fundos para a obra do abrigo que ficou de pé em 30 de junho de 1951, e passou a ser dirigido pelas irmãs da ordem de Nossa Senhora do Bom Pastor, a qual continuaram em sua direção até 1980, quando foram substituídas pelas Servas do Imaculado Coração de Maria.

É interessante observar como a sociedade natalense via essas meninas que transgrediam as normas puritanas do meio do século XX. Elas eram obrigadas a viver numa região absolutamente distante da boa sociedade, literalmente marginalizadas, apagadas e esquecidas por suas famílias. Perceba que o terreno havia sido inicialmente planejado para servir como forno de incineração do lixo, isso dá para entender como ele era distante das vistas dos ofendidos cristãos.

Com a construção da casa e da capela, a futura Igreja do Bom Pastor, sob o governo do prefeito Djalma Maranhão, em 1956, o terreno que deveria ter sido um lixão foi convertido em cemitério público, nascendo o Cemitério do Bom Pastor.

São estes dois pontos, além da linha férrea que corta o bairro, que vão irradiar a povoação dos novos habitantes. Contudo a ocupação não se dá com nenhum tipo de planejamento o que permite o nascimento de duas comunidades: a Favela do Japão, nos limites do bairro com as Quintas, ampliação da Favela do Curtume; e a Favela da China. Os nomes, segundo José Duarte Barbosa Júnior, advêm de uma tradição natalense das suas mais antigas favelas serem nomeadas a partir de regiões conflituosas no mundo. O Japão nasce durante a Segunda Guerra ainda, sendo portanto, mais antiga que a Casa Bom Pastor, porém ela surge nas Quintas e avança para o Bom Pastor. A Favela da China nasce na década de 1960, e seu nome é inspirado pela Guerra Sino-Indiana. Mas o mesmo autor também relembra que os moradores dão significados diferentes para esses nomes, como no Japão cuja explicação da região ser um buraco (a depressão formada pelo vale do rio Cunhacima ou das quintas) que estaria mais perto do Japão.

A partir da década de 1970, chega em Natal o entendimento de que eram necessárias políticas voltadas para estas populações empobrecidas, para conter e ordenar seu crescimento. O governo federal criou o PROMORAR que propunha a erradicação das sub-habitações no território brasileiro, dotando todos com condições mínimas de moradia. Nos projetos, isso incluía a construção de praças, escolas, centros de saúde, além de casas. Com isso temos as primeiras obras públicas como a Escola Estadual Jean Mermoz, construída em 1974, por Cortez Pereira; a Escola Municipal Prof. Francisca Ferreira da Silva, levantada em 1978, pelo prefeito Vauban Bezerra, e a Escola Estadual Prof. Maria Ilka, concluída somente em 1986, pelo governador Radir Pereira. Em 1980, é inaugurado o Conjunto Santa Esmeralda, o primeiro projeto do PROMORAR entregue no Brasil (eram 119 casas com prestações de Cr$ 60; Cr$ 271 e Cr$ 643), e três anos depois o Loteamento Novo Horizonte, que focaram nos moradores das Favelas do Japão e China. Os conjuntos foram construídos em terrenos doados pela Marinha.

Escola Estadual Maria Ilka de Moura, adotada pela Polícia Militar do Estado.

Outro ponto importante do bairro é o Casarão do Padre Thiago Theisen, ou a Casa do Padre, a segunda construção mais antiga do bairro. A residência foi levantada ainda quando o bairro era parte das Quintas e servia como alojamento para seminaristas e também servia para reuniões de lideranças comunitárias, por isso, em 1964, foi tomada pelo regime militar, e abandonada, ficando vazia. Ela foi então reconstruída quando o padre Thiago Theisen chegou ao Brasil vindo da Bélgica, em 1968. Na casa, o padre organizou um ambulatório com acadêmicos de medicina e odontologia. O prédio atualmente se encontra abandonado.

A história do bairro do Bom Pastor também está ligado a violência. Para falar sobre isso vejamos a entrevista dada pelo historiador Julieberte Martins a TV Assembleia:

Lenin Campos