Genealogia dos Bairros: Mãe Luíza

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares e Profª Ruth Steff Correia

Localizado na região leste da capital Potiguar, cercado por bairros considerados nobres, como Tirol, Petrópolis e Areia Preta, temos o bairro Mãe Luiza, que recebeu esse nome por ali existir uma moradora com ações generosas chamada Joana Luiza Pirangi, na década de 1920, mas antes entre os séculos XIX e XX chamava se Morro do Bode. Mãe Luíza era um parteira (algumas versões a fazem lavadeira), provavelmente rezadeira e “xangozeira”.

Quem foi Mãe Luiza? Uma velha negra ali residente, talvez ex-escrava, anos e anos numa choupana de palha de coqueiros, na encosta silenciosa do morro. Dona do terreno por usucapião maquinal, nenhum documento garantir-lhe-ia a posse, mansa e pacífica, dos pobres metros quadrados residenciais, com galinhas, um pé de manjericão e o cachorro magro, imortal. Mas é a madrinha eterna do topônimo. Inútil dar o nome sonoro de um homem deslumbrante. Ninguém recordará a mudança, sentindo a substancia bajulativa, Será perpetuamente, Mãe Luiza! O povo defende o patrimônio humilde de suas preferências. (Câmara Cascudo, Pequeno Manoel do Doente Aprendiz).

Iara bar e Farol de Mae Luiza (Fotos retiradas do grupo Gestores do Centro Histórico de Natal)

Mãe Luíza era uma sacerdotisa, e por isso o título de mãe, provavelmente do Xangô do Nordeste, uma religião de origem africana, que mesclava (originalmente) os orixás iorubás com os vodun fon. É mais provável que ela fosse ligada a essa religião e não ao Candomblé, porque até a década de 1970 e 1980, este último não era muito popular no Rio Grande do Norte. A mãe-de-santo ajudava a população pobre que já habitava o Morro do Bode, realizando curas espirituais ou reunindo doações para os mais pobres. De qualquer forma, Mãe Luíza se tornou uma lenda, e a região se tornou um lugar seguro para as práticas de religiões que eram proibidas, como o Xangô. É importante lembrar que até o final da década de 1940, era crime no Brasil frequentar qualquer culto afro-brasileiro (como o Candomblé ou o Xangô do Nordeste), no entanto, até a criação do bairro, não existe presença católica na região, e as sociabilidades eram todas construídas a partir daquela religião “marginal”.

O Morro de Mãe Luiza era uma região de interesse do exército, que queria construir ali um quartel, e para chegar nele uma estrada. Esta ia desde a rua Potengi até a Via Costeira, hoje a conhecemos por Rua João XXIII, foi assim decida por meio do Ofício nº 877 A/I em 23 de novembro de 1958, por General Fernandes Távora. Seu nome faz referência ao Papa João XXII que permaneceu neste chamado entre 1958 a 1963. A avenida foi batizada assim por intermédio do padre João Augusto da Costa Perestrello de Vasconcelos, o Padre Perestrello, um sacerdote português que vivia na cidade exilado por problemas políticos. Foi o padre quem iniciou em Mãe Luíza, junto a paróquia de Santa Teresinha, um projeto social chamado Frente de Trabalho João XXIII. O projeto, além de apoio governamental, recebia doações especialmente de grupos católicos da Alemanha. Mas a paróquia não ficou sob responsabilidade de Perestrello, foi o padre Manoel Barbosa Vasconcelos Filho que era responsável pelos cultos na capela do “Morro da Favela”.

Farol de Mãe Luiza, Natal-RN. Foto- @poraicomtlbarbosa

Seguindo nessa mesma construção temos o Farol de Mãe Luiza, mas oficialmente registrado como Farol de Natal, foi construído em 1951 por Lei nº 714, e inaugurado pelo almirante Harold Ruben Cox. O prefeito de Natal, Eliseu Leite, fez uma doação do terreno, patrimônio de municipal. Construído com concreto, projeto do engenheiro Gentil Ferreira de Souza, possui cerca de 37 metros e a princípio, orientava as embarcações em uma distância de 24 milhas, hoje possui um alcance de 27 milhas. Havia em Natal um farol anterior, dentro do Forte dos Reis Magos, desde 1872 e durou até 1950. Em 1937, um Rádio-Farol da Limpa, nas Rocas, foi construído também.

Mãe Luiza tornou-se bairro com a Lei nº 794 em 23 de janeiro de 1958, que loteou e vendeu terrenos com o valor entre Cr$ 40 a 70 cruzeiro por m², dependendo da localização. Mas este é o ano em que uma grande seca assolou o Nordeste brasileiro, e com isso, a migração para a cidade cresceu gravemente. Com a região “desbravada” pelo exército, inúmeros migrantes começaram a ocupar a região de dunas e tabuleiros.

O bairro então se tornou uma grande preocupação. Próximo demais de Petrópolis e Tirol, sua gente era mal vista pela “boa sociedade potiguar”. Os moradores de Mãe Luíza eram chamados de “índios”. E índio, para elite potiguar da década de 1960, significava sinônimo de má educação, ignorância e brutalidade, aquele que possuí uma cultura atrasada. As boas famílias então aplaudiram a ação do prefeito Djalma Maranhão de instalar nos morros os galpões da campanha Com Pé No Chão Também Se Aprende a Ler, no qual se aplicava o método Paulo Freire de alfabetização. Nos anos seguintes, foram inauguradas duas escolas estaduais para substituir os galpões improvisados: a Escola Estadual Monsenhor Alfredo Pegado, em 1964; e a Escola Estadual Selva Capistrano, em 1968. Em 1977, o bairro participa da ampliação de escolas que acontece em toda a capital com a Escola Estadual Prof. Severino Bezerra; em 1985, a Escola Estadual Dinarte Mariz e, em 1922, a Escola Municipal Prof. Antônio Campos e Silva.

A década de 1960, ainda, também assiste o bairro se tornar “local para treinamento prático” dos alunos de Serviço Social da faculdade que funcionava na capital. Relatórios de campo dos alunos são importantes documentos sobre a vida em Mãe Luíza.

E, no entanto, apesar das ações pontuais do Estado e da Igreja, a pobreza só crescia no bairro. Na década de 1970, inúmeros novos pontos de ocupação, novas favelas, começam a se formar como: O Barro Duro, uma ocupação vizinho à praia, que limita-se com o Parque das Dunas; a Bacia, a região mais baixa do bairro, aonde as águas das chuvas normalmente se direcionam, ocorrendo sempre inundações; o Alto da Colina, também uma região que foi inicialmente uma favela, que invadiu o Parque das Dunas, esta parte é estigmatizada como “local perigoso” e “boca de fumo”, e a região conhecida como Aparecida, batizada por causa da doação da imagem da padroeira do Brasil.

E o problema só cresceu com a abertura da Via Costeira, e todo o planejamento turístico pensado para ela na década de 1980. A pobreza de Mãe Luíza não podia continuar ali. Governadores como Cortez Pereira (1971-1975), Tarcísio Maia (1975-1979) e Lavoisier Maia (1979-1983) tiveram planos para retirar os moradores da área. Contudo, a ascensão dos movimentos sociais à representação política, com o fim da Ditadura Militar, e a ação direta da Igreja Católica, na figura do padre Sabino Gentili, e do Partido Comunista Brasileiro, impediu a ação dos especuladores imobiliários.

Nos noticiários, no entanto, os mesmos estigmas históricos ainda persistem no discurso sobre Mãe Luíza, especialmente depois da Chacina de Mãe Luíza, ocorrida em 1995, quando um policial civil, Jorge Luiz Fernandes, o “Jorge Abafador”, disparou contra seis pessoas. As investigações levaram a descoberta de um grupo de extermínio, liderado pelo Secretário Adjunto de Segurança, Maurílio Pinto de Medeiros, que era responsável por pelo menos cinquenta assassinatos no bairro, além de casos de tortura. Contudo, apesar de vítimas da repressão estatal, a pobreza dos moradores torna-os perigosos e suspeitos (e nessa lógica, como, segundo o IBGE, dos 36 bairros de Natal, Mãe Luíza é o 34º mais pobre, seus moradores também estão entre os mais perigosos e suspeitos de toda a cidade).

Para competir com essa imagem externa, a comunidade se organizou e publicou o jornal Fala, Mãe Luíza!, organizado pelo Centro Sócio-pastoral Nossa Senhora da Conceição, sob gerência do padre Sabino Gentili. Publicado de 1990 até 2009 (com a morte do padre, em 2006, o projeto perdeu fôlego), o jornal foi um espaço de conscientização dos moradores. Com tiragem média de 500 exemplares, ele tinha foco na melhoria das condições de vida da população local, dando foz a uma comunidade que não era ouvida nos veículos de comunicação tradicionais.

“Ele [o jornal] deve ser entendido como um instrumento de informação entre nós e para com as pessoas que não moram no nosso bairro. Todo mundo tem algo a dizer. No nosso bairro há poetas, artistas plásticos, músicos. Há, sobretudo, muita história de luta por sobrevivência. Temos também nossos problemas, nossas questões sobre tantos assuntos. [...] O nosso jornal será o instrumento de nossas falas. Mãe Luiza, não deixe de falar!”

Como dizem Maria do Socorro Veloso e Rayanne Carvalho, o Fala, Mãe Luíza! também atuou no sentido de construir uma nova imagem da comunidade. Não aquela que estava estampada em páginas de cadernos policiais, mas a de moradores que trabalham, estudam e buscam reconhecimento. A própria comunidade buscava no jornal ferramentas para ressignificar a imagem, o estigma, o preconceito sobre o qual vivem.

Perigoso, violento, marginal, o bairro não recebia a atenção devida do poder público. E assediado pela especulação imobiliária, cuja lógica de desenvolvimento, que é defendida pela imprensa potiguar repetidamente, cria bolsões de pobreza e subdesenvolvimento que as ações do poder público não conseguem sanar. Esta incapacidade se tornou evidente em 2014, durante a Copa do Mundo, quando um desabamento de várias casas na rua Guanabara, após uma forte chuva, fez com que lama descesse o morro até o mar. Hoje, no local, encontramos a Escadaria Mãe Luiza, que se tornou um ponto turístico da cidade.

Foto- Escadaria de Mãe Luiza, Flávio Rezende