Genealogia dos Bairros: Praia do Meio

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares e Profª. Ruth Steff Correia

Praia do Meio, ao fundo o atual Centro de Turismo e o Hospital Onofre Lopes.




A partir do ano de 1915, a Praia do Meio começou sua transformação lenta em um bairro com a construção de novas casas, seja para moradia ou estadia de verão. Seu nome, no entanto, nasce em 1912, quando o topógrafo Manoel Joaquim de Oliveira constrói sua casa de veraneio. No momento de inauguração, e descontração, um amigo do anfitrião, Luís Candido de Oliveira a nomeou Praia do Meio, já que se encontrava no meio da Praia do Morcego e de Areia Preta, com o tempo o nome Praia do Morcego não existiria mais e todo a região tornou se Praia do Meio.

Ponta do Morcego (descida da Ladeira do Sol)

Em 1929, o prefeito Omar O’Grady contratou o arquiteto Giácomo Palumbo para reorganizar o desenvolvimento urbano da cidade.

“O plano Palumbo, como ficou conhecido, tinha o objetivo de criar uma cidade moderna e funcional, que respirasse o futuro e deveria definir funções para os bairros existentes na cidade, dando prosseguimento ao que foi elaborado para a Cidade Nova com o Plano Polidrelli, expandindo o traçado poligonal usado no planejamento do bairro Cidade Nova e usando o zoneamento como estratégia de controle do espaço urbano, dividindo a cidade em bairro comercial, residencial, jardim e operário, também projetando o porto fluvial e o aeroporto da cidade. Pretendia controlar a expansão da cidade de maneira mais organizada, abrangendo uma área que ia desde a Fortaleza dos Reis Magos até a rua Jundiaí.

Como todo projeto urbanístico, a própria administração da Cidade de Natal precisou sofrer uma série de modificações, a divisão da cidade em zonas foi uma delas, o bairro de Cidade Nova (Petrópolis e Tirol) se tornaram residenciais; a Ribeira era comercial e o Alecrim, que era o bairro mais novo, tornou-se o bairro operário. Isso, a prática, significava que a elite, os homens ricos da cidade, estavam autorizados a viver em Petrópolis e Tirol, enquanto as pessoas mais pobres estavam autorizadas a viver apenas no Alecrim. A separação social era a tônica também deste projeto” (Jeanne Araújo, 2021).

Para a Praia do Meio, o que estava planejado era a construção da Avenida Circular, permitindo que os automóveis pudessem chegar as praias da capital. Contudo, apesar do planejamento, somente em 1946, na administração do prefeito Sylvio Pedrosa que a avenida sai do papel. E com ela, temos o desenvolvimento de todo a região.

As primeiras ruas, por exemplo, começaram a ser formalizadas em 1946 através do Decreto Lei nº 211, assinado por Sylvio Pedrosa, a saber: Avenida Atlântica (que era a Avenida Circular do Plano Palumbo), praça Jeronimo de Albuquerque, Avenida 25 de Dezembro, Rua Padre Samperes, Rua Padre Lemos, Rua Mascarenhas Homem e Rua Capitão Mor Gouvêa. Mais tarde a Avenida Atlântica se tornou Avenida Presidente Café Filho se estendendo desde o início da Ladeira do Sol até o bairro Santo Reis. A conclusão do calçamento ocorreu em 1956, por intermédio de Sylvio Pedrosa, quando se tornou governador do estado.

Avenida Circular (Foto: Natal Ontem e Hoje)

A avenida se torna bem movimentada. Foi neste logradouro que fundou-se, em 1954, o Pâmpano Esporte Clube, um clube de pesca esportiva (sendo o terceiro mais antigo do nordeste brasileiro), hoje o clube também guarda um museu da pesca. Em 1967, temos a construção da Praça do Herói, como monumento a participação da FAB na II Guerra Mundial. Estatuas de bronze foram ali firmadas representando a Marinha, Aeronáutica e Exército. No que se refere a escolas, encontramos duas: a Escola Estadual Professora Olga Marinho, fundada em 1955, e que hoje encontra se como anexo da Escola Municipal Laura Maia, a qual foi fundada em 1970 de início possuía capacidade para 146 alunos.

Praia dos Artistas (Foto: Natal Ontem e Hoje)

A partir da década de 1970, nela se concentraram os investimentos focados no turismo, como o Centro Municipal de Artesanato e os eventos que criam a Praia dos Artistas. Esta região do bairro recebe esse nome por ser frequentada por arquitetos, músicos, artistas plásticos, que frequentavam vários eventos culturais que se realizavam na areia da praia.

Praia dos Artistas (Foto: Natal Ontem e Hoje)

Um dos grandes investimentos realizados no bairro foi a inauguração do Hotel Internacional Reis Magos na avenida Presidente Café Filho, em 7 de setembro de 1965, ao som da Orquestra de Frevo de Nelson Ferreira. O hotel foi um investimento público, de iniciativa do governador Aluísio Alves, obteve recursos através da Sudene, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, e da Aliança para o Progresso, um programa estadosunidenses que fez investimentos na América Latina com objetivo de impedir o avanço de ideias comunistas entre a população. Inicialmente ele era administrado pela Emproturn, empresa estatal, sendo logo arrendado a Rede Tropical Hóteis, da Varig. Em 1978, ele foi então leiloado e comprado pelo grupo Hotéis Pernambuco, sendo arrendado, em 1989, a rede Othon, com a qual permanece até 1995, quando é fechado, graças a inúmera pendências tributárias.

Hotel Internacional Reis Magos (Foto: Natal Ontem e Hoje)

É durante a década de 1980 que hotel tem seu auge. A população mais antiga do bairro observou um salto de desenvolvimento. A circulação de pessoas de diversas regiões do país, interagindo, tornaram a Praia do Meio um caldeirão cultural. Esta mesma circulação exigia serviços, como bares e restaurantes, o que criou postos de trabalho e exigiram investimentos na organização no próprio bairro e na segurança da região. Projetado com símbolos modernistas, hoje o Hotel Internacional Reis Magos não se encontra mais no bairro, foi demolido em 25 de janeiro de 2020, após uma batalha na justiça. Enquanto os moradores e historiadores defendiam o tombamento e a preservação da memória, o Ministério Público Federal foi favorável a demolição.

Hotel Internacional Reis Magos (Foto: Natal Ontem e Hoje)

Na Festa de Ano Novo, entre os anos de 1984 e 1984, foi erigida na avenida um símbolo religioso umbandista: a estátua de Iemanjá. Levantada pela Federação Espírita do Rio Grande do Norte, a estátua representa o orixá dos mares, mãe de todos os deuses, ela é cultuada tanto pela Umbanda, que faz uma mistura entre deuses e entidades de origem africana e indígena, quanto pelo Candomblé, que é uma religião de matriz puramente africana. Seu nome, na língua iorubá, significa “mãe de todos os peixes”, por isso é considerada padroeira dos pescadores. No Brasil, sua festa acontece no dia 02 de Fevereiro.

Podemos citar inúmeros vezes em que a estátua foi alvo de vandalismo principalmente por intolerância religiosa, porém apesar disso, continua presente até hoje como um símbolo de representatividade e turismo no bairro.

Ladeira do Sol (Foto: Natal Ontem e Hoje)

Outro ponto de referência que precisa ser citado é a Ladeira do Sol e sua bela vista. Logradouro que liga a Avenida Getúlio Vargas a Avenida Presidente Café Filho, nela podemos observar toda a região litorânea que cerca o bairro. Antes conhecida como Ponta do Morcego, a ladeira nasce com o nome Praia do Meio, porém em 1968, por ação do prefeito de Natal, Agnelo Alves, ela se torna Ladeira do Sol. Abaixo da Ladeira, corre outro famoso logradouro, a Rua do Motor. Ela recebeu esse nome por conter motores que bombeavam água para a população naquela região na década 30, nela encontramos a Praça da Ladeira do Sol.

Rua do Motor (Foto: Natal Ontem e Hoje)

Se o bairro foi uma região de grande interesse público no passado, hoje nos deparamos com o descaso. Problemas sociais afetam o lugar, como segurança do bairro, falta de iluminação pública, descaso com a manutenção do calçadão à beira-mar. Uma preocupação importante para os moradores, hoje em dia, tem a ver com as mudanças no atual Plano Diretor. Se mudanças forem aprovadas, como a permissão de construção de arranha-céus no bairro, teme-se pela gentrificação e, com ela, a impossibilidade dos atuais moradores do bairro continuarem a viver ali. Existem famílias que vivem há três gerações e construiu uma memória vinculada ao lugar, não proteger essa população dos possíveis resultados de uma urbanização desordenada pode apagar parte da história da região.












Para Saber Mais:

Ângela Ferreira e George Dantas. O Plano Palumbo preparando a Natal do Futuro.

Eduardo Ribeiro e Fernando Amorim (org.) Gentrificação: primeiros ensaios

Guilherme Barbosa. Entre o dito e o feito: as contradições da Aliança para o Progresso.

Jeanne Araújo. Alecrim: a cidade operária.

Tarcyla Ribeiro. Gentrificação: aspectos conceituais e práticos de sua verificação no Brasil.