Genealogia dos Bairros: Santos Reis

Por Prof. Matheus Barbosa e Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Praia da Montagem - Rio Potengi - 1929

O bairro de Santos Reis é localizado na Zona Lesta da cidade de Natal, e o local do bairro foi um dos primeiros habitados pelos povoadores portugueses quando estes chegaram em 1598. A povoação de Reis é a origem do nome do bairro, uma homenagem aos padroeiros Gaspar, Belchior e Baltazar, os Três Reis Magos. Esta prescindiu a cidade de Natal, estava localizada nas cercanias do Forte dos Reis Magos, mas alguns historiadores afirmam que estava ficava a meia légua (por volta de 2,4km), o que o coloca perto do Morro da Limpa. O que corrobora a descrição do Padre Francisco Pinto, “um terreno elevado e firme”.

Praia do Forte (Foto: Natal Ontem e Hoje)

A região continuou sendo habitado desde o século XVI, com o povoado sendo o lar de pescadores e dos soldados que serviam no forte. Nos primeiros anos, conta Câmara Cascudo, que o povoado era maior que a cidade. Enquanto o povoado tinha por volta de 200 moradores; em Natal (que se resumia a Cidade Alta) habitavam “25 ou 30 moradores”. Contudo, já em 1630, a povoação de Santos Reis tinha por volta de 80 habitantes enquanto Natal já possuía 130 moradores.

Em 1752, foram doadas por El Rei Dom José, imagens dos Santos Reis para serem colocadas na capela do forte na barra do rio Potengi. A missa dos padroeiros, realizado na capela da fortificação, tornou-se concorrida. A festa da Epifânia de Nosso Senhor, que ocorria no bairro, mantido pelos seus moradores mais humildes, fazia com que pelo menos 2/3 da população da cidade viesse assistir a missa a beira-mar. Diz Cascudo: “Durante todo o dia o forte ficava dentro do povo, uma maré humana com seus cantos, danças, comidas improvisadas, desafios, brigas, promessas”.

Com a popularidade da festa, e tentando resolver o problema de acesso ao santuário quando a maré estava cheia, as imagens deixaram a pequena capela, migrando em uma procissão que marcou a história da cidade, em 09 de setembro de 1876, para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, na Cidade Alta, onde ficaram até 1901, quando os santos mudaram para a Igreja do Bom Jesus das Dores, na Ribeira. Nesta permaneceram por nove anos, quando, em uma grande procissão retornaram a uma capela construída em Santos Reis, no Morro da Limpa. Nesta capelinha, a festa se deu até 1936, quando temos a construção do Santuário dos Santos Reis, localizada na praça Eng. Wilsom Miranda, onde, até os dias de hoje, é celebrado a festa anual dos padroeiros entre os dias 28 de dezembro a 6 de janeiro

Santuário dos Reis Magos

Na década de 1930, quando toda Natal começa a se modernizar.  Omar O’Grady, um engenheiro que ocupava a prefeitura da cidade, buscou trazer mudanças para o bairro. Ele iniciou a instalação do Plano de Sistematização de Natal, que havia sido preparado pelo arquiteto Giácomo Palumbo, com a criação, por exemplo, de ruas largas, para facilitar melhor o trajeto das pessoas, e entre outras medidas. No entanto, O’Grady não foi capaz de instalar todo o sistema previsto pelo arquiteto grego.

Construção da Rampa (foto: Fatos e Fotos de Natal Antiga)

Na década de 1940, Santos Reis é uma das regiões da cidade mais afetada pelas mudanças trazidas pela Segunda Guerra Mundial. Contudo, desde antes da guerra, o prédio da Rampa, localizado na margem oeste do bairro, próximo ao Rio Potengi, servia como terminal de passageiros para a PANAIR, uma das principais empresas aéreas do início do século XX, recebendo hidroaviões no Rio Potengi, facilitando a travessia pelo Oceano Atlântico, devido a posição geográfica estratégica de Natal. Com a chegada dos militares estadunidenses, o antigo terminal da PANAIR, passa a ser parte do esforço de guerra. Estradas então são abertas para conectar a Rampa â cidade, especialmente à Ribeira. É ao redor desses novos caminhos que teremos o desenvolvimento do bairro das Rocas. Nos dias de hoje, o local foi ocupado pelo Complexo Cultural da Rampa, criado pelo Ministério do Turismo, inaugurado em 2018.

PANAIR - A Rampa (foto: Fatos e Fotos de Natal Antiga)

Um fato que persiste nos dias de hoje no bairro, vem de uma “herança” da Segunda Guerra Mundial, que são os tanques da Petrobrás. Se nos dias de hoje o local sofre várias criticas devido ao grande espaço que é destinado aos tanques, que poderiam ser utilizados para outros fins, no período da Segunda Guerra foi de extrema importância, devido a sua localização. Precisando receber combustíveis para o abastecer os aviões, era preciso um espaço para os tanques e o terreno era próximo ao porto de Natal. A empresa responsável pela operação era a Standard Oil que, mesmo com o fim do conflito, o local continuou sendo utilizado, pois a exploração de petróleo estava em crescimento. No 1979, o terreno foi arrendado pelas Forças Armadas para a Petrobras e, em 1982, foi inaugurado o parque de tancagem. Em 1998, a Justiça Federal determinou a retirada dos moradores da região, mas a decisão não foi cumprida, talvez pela grande força da comunidade que não teria para onde ir. Já no ano de 2012, os tanques foram desativados, mas os impactos já eram grandes, entre 2016 e 2017 foram feitos estudos, pela Transpetro, que comprovaram que o terreno estava contaminado por resíduos químicos como metais pesados e hidrocarbonetos. A Petrobrás tinha até 2020 para realizar a descontaminação da área, porém, até hoje nada foi realizado.

A Rampa - 1942 (foto: Fatos e Fotos de Natal Antiga)

Oficialmente o bairro só foi criado em 1954, quando Sylvio Pedroza toma posse de governador. Na época, Pedroza investiu na realização de inúmeras obras em vários locais na cidade, e, em Santos Reis, tivemos a abertura, fazendo com que o bairro ganhasse ligação com as Rocas, além da conexão com a Avenida Circular (hoje Café Filho). Diferente do bairro vizinho, as Rocas, Santos Reis teve inicio com a realização de doações de loteamentos para a construção das primeiras casas, mas que ao mesmo tempo que ocorria a doação, o governo também vendia terrenos para pessoas que tinham interesses.

Santos Reis - 1950 (foto: Fatos e Fotos de Natal Antiga)

Na década de 1960, durante o governo do prefeito Djalma Maranhão, percebemos uma expansão do bairro para leste, em direção às praias. Até este momento o bairro cresce para o lado oeste, no sentido Rio Potengi. Um destaque são para as antigas favelas de Brasília Teimosa, que começa a crescer na década de 1950, e do Vietnã, cujas primeiras habitações são da década de 1960.

O nome Brasília Teimosa advém da formação da favela ter começado à mesma época da construção da nova capital federal por Juscelino Kubitschek. O adjetivo faz alusão a persistência dos moradores em não abandonar suas casas, mesmo quando elas eram seguidamente derrubadas pelo poder público. Foi especialmente na década de 1960 que o nome pegou. Os moradores eram migrantes, vindos do interior do Estado, que ocuparam um terreno que pertencia a Marinha. A polícia os retirava semanalmente de suas casas, que eram destruídas; mas dias depois, teimosamente, as paredes eram novamente levantadas.

Brasília Teimosa (foto: Dana Peper)

Na década de 1980, no entanto, eles se organizaram e começaram a pleitear melhorias às autoridades. Ergueram seu centro social e conseguiram o calçamento de algumas ruas. Em 2007, os moradores conseguiram que a região fosse incluída no Plano Diretor da cidade como uma AEIS (Área de Interesse Social), isso impede que aquela população receba pressões imobiliárias, porque são proibidas alterações urbanísticas como o desmembramento e a junção de lotes, e isso garante que seu modo de vida seja preservado (somente Mãe Luíza e a Vila de Pescadores em Ponta Negra tem o mesmo status). As estreitas casas, com poucos cômodos, construídas em Brasília Teimosa já devem ser consideradas um tesouro arquitetônico da capital potiguar.

Brasília Teimosa (foto: Dana Peper)

Já a Favela do Vietnã tem esse nome por causa da guerra que estava acontecendo entre os Estados Unidos e o Vietnã durante as décadas de 1960 e 1970. Localizada nos limites do bairro com a Praia do Meio, o terreno ocupado também pertencia a Marinha, e a favela nasce como uma continuação da própria Brasília Teimosa.

Para Saber Mais:

Carlos Eduardo Hora (coord). Conheça melhor o seu bairro: Santos Reis

Hélio Dantas. Evocação da Cidade do Natal.

Isaac Lira. A resistência da Brasília litorânea.

Itamar de Souza. Nova história de Natal.

Luís da Câmara Cascudo. História da Cidade do Natal.