História da Arte Potiguar: Literatura Moderna

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

A Década de 1920 e 1930, no Brasil, é uma época de grandes mudanças. Especialmente para cidades provincianas como era Natal. Imaginem a situação: temos a chegada da luz elétrica, que altera os hábitos noturnos da cidade, antes os jovens que iam dormir com as galinhas, agora querem sair e se encontrar em cafés depois que escurece; também temos a chegada dos primeiros aviões, trazendo não apenas pessoas, mas também notícias, livros, músicas, que vinham das grandes cidades, e não mais anos depois, agora as novas modas chegavam rapidamente a cidade. Temos aqui um conflito instalado: a vida tradicional e pacata de cidade do interior entra em conflito com as novidades que o mundo moderno impõe.

Um bom exemplo nisto está na condição feminina. É dessa época a luta das sufragistas pelo voto feminino. Na sociedade tradicional, as mulheres não tinha voz ativa na vida pública, mulheres não deveriam ser vistas na rua, elas viviam trancadas dentro de suas casas, telas eram adicionadas as janelas para impedir que os passantes vissem as mulheres em seus lares. Agora, homens como Juvenal Lamartine e José Augusto de Medeiros insistiam que a participação política feminina era importante. Homens como Henrique Castriciano escreviam artigos nos jornais da cidade reclamando que os pais que impediam suas filhas de estudar impediam o progresso.

Os elementos da modernidade, as consequentes transformações de uma sociedade até então provinciana e os contrastes sociais que vieram inevitavelmente com a modernidade são captados pela literatura que floresce, primeiramente, na forma de uma nova poesia. “As contradições existentes na realidade colocavam em evidência duas coisas que se interpenetravam: por um lado, a cultura regional era reforçada pela estrutura do poder local, e por outro lado a cultura da modernidade penetrava de forma intensa na vida urbana que se formava na província” (SILVA e RIBEIRO).

Jorge Fernandes

Jorge Fernandes

Jorge Fernandes

Nascido em 1887, filho do professor Manoel Fernandes de Oliveira e Francisca Fagundes Fernandes. Sua família, apesar de tradicional na cidade, não possuía muitas posses, o que obrigou o jovem Jorge a interromper seus estudos para trabalhar. Mesmo assim colaborou com vários jornais da cidade e, apaixonado pelo teatro, escreveu várias peças de sucesso na cidade como Anticristo, Céu Aberto, Já Teve e Brabo (hoje, infelizmente, estas peças se encontram desaparecidas).

Em 1927 publicou seu livro de poesias, Livro de Poemas, que não fora seu primeiro, mas que mudou a poesia potiguar para sempre. Extremamente influenciado pelos artistas modernos da Semana de Arte Moderna de 1922 (como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Pagu e Manoel Bandeira), e da agitação cultural de Recife.

“Os quarenta poemas que constituem o Livro de poemas de Jorge, o seu único livro de poesias, podem ser considerados o mais importante documento de nossa literatura moderna, e passa a fazer parte do movimento moderno nacional” (SILVA e RIBEIRO). O poeta incorporou os elementos modernos como a liberdade formal (versos livres, sem a obrigatoriedade de escrever sonetos, por exemplo; incorporação da fala coloquial, usando palavras do dia-a-dia; e ausência de pontuação); o diálogo com a tradição para problematizá-la, observando-a criticamente; aproximação da poesia e da prosa; e o uso da metalinguagem (nos poemas de Fernandes há uma preocupação em refletir sobre o fazer poético). Um ponto importante da poesia de Jorge Fernandes é sua iconicidade. Ele usa trabalha com elementos da poesia visual, em que a própria construção do poema na folha de papel tem um objetivo, as palavras formam desenhos, formam símbolos, que tem em si significado poético. Essa visualidade e experimentalismo inclusive não é comum ao modernismo brasileiro, é uma característica única do poeta potiguar que, mais tarde, influenciaria a poesia concreta a partir da década de 1950.

Apresentado por Câmara Cascudo a Mario de Andrade e Manoel Bandeira, a poesia de Jorge Fernandes também foi publicada em revistas nacionais, tendo grande aceitação. Disse Mário de Andrade: “num pequeno estado do Nordeste, pudesse surgir um poeta tão original”.

Meu poema parnasiano nº 1

Que linda manhã parnasiana...

Que vontade de escrever versos metrificados

Contadinhos nos dedos...

Chamar de reserva todas as rimas

Em ­- or -­ para rimar com amor...

Todas as rimas em ­- ade -­ pra rimar com saudade...

Todas as rimas em -­ uz -­ pra rimar com Jesus, cruz, luz...

Enfeitar de flores de afeto um soneto ajustadinho

Todo trancado na sua chave de ouro...

Remexo os velhos livros...

“Ah! que saudades eu tenho

Da aurora da minha vida

Da minha infância querida...”

Zim... (ligaram um dínamo de milhares de cavalos

E as polias giram e as máquinas abafam o último verso da quadrinha...)

E lá me vem à mente o ritmo dos teares...

As grandes rimas dos padrões...

Os fios se cruzam...

se unem pras grandes peças de linho... ­

Óleos... fios... polcas... alavancas,

Apitos. Ponteadores. Carrités.

Zim traco! traco! traco!

Malhos. Alicates. Ar comprimido.

Fuco! fuco! dos foles

Marcação de fardo pra exportação: marca M.B.C. –­ Fortaleza - ­ M.F.M. -­ Mossoró -­ setas e contra marca ­

Trepidação de decoviles.

“Ah! que saudades eu tenho.”

E me abafa o segundo verso de Casemiro

Um caminhão cheio de soldados que segue para o interior

A caçar bandidos.

Que linda manhã parnasiana!

Vou recitar “A vingança da porta”.

Os lindos e sangrentos versos do meu passado: ­

“Era um hábito antigo que ele tinha..”

Pregões de gazeteiros: ­- Raide de San­Roman! Ribeiro de Barros

O grande momento da aviação mundial! ­

- Que poema forte o de San­Roman! ­

- Que poema batuta o de Ribeiro de Barros!

Todo misturado de nuvens, de óleo, gasolina,

De graxa, de gritos de bravos! de emoções!

Dem! dem! dem!: ­- o auto­socorro –

-­ Quem vem ali?

Um operário que quebrou uma perna de uma grande altura. ­

- Viva o grande operário! ­

- Viva o grande herói do dia! ­

- Vivôôôôô!...

Aurélio Pinheiro

Aurélio Waldemiro Pinheiro nasceu em 1882 em São José do Mipibu, filho de Manoel Onofre Pinheiro e Maria Barbosa Pinheiro, foi aluno do Atheneu Norte-riograndense e formou-se médico na Universidade da Bahia. Clinicou em Macau e Areia Branca, e era cronista do jornal O Mossoroense, sob pseudônimos (Estanislau Pamplona e A. Áureo Pinho). Mudou-se então para Parintins, no Amazonas, onde foi nomeado Inspetor Sanitário, e de onde contribuía para o jornal A República.

Seu primeiro romance é de 1926, O Desterro de Umberto Saraiva; no ano seguinte publicou Gleba Tumultuária. Em 1929, mudando-se para Niterói, começa a trabalhar como tradutor e publica em 1930 o Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa. Em 1934, publicou Macau; em 1937, À Margem do Amazonas e, no ano seguinte, Em Busca do Ouro, publicado originalmente em fascículos.

capa-romance-macau.jpg

Seus romances são influenciados pelo modernismo, em especial pelo romance regionalista. Autores como José Lins do Rêgo e Graciliano Ramos vão se focar em contar histórias com a cor local, que retratassem os pequenos e distintos lugares do Brasil, respondendo especialmente a influência de autores como Mário de Andrade e Luiz da Câmara Cascudo com suas pesquisas em folclore. Os romances brasileiros que vinham da tradição realista, que primava na descrição dos ambientes e na caracterização dos personagens, e a busca continuava na vontade de descrever ainda melhor a sociedade de seu tempo. O romance modernista inclui portanto o conflito entre o novo e o velho, entre o tradicional e o moderno, e o primeiro texto.

Seu principal trabalho, considerado sua obra prima, é o romance Macau, que, acredita-se, se baseia na experiência do autor quando viveu na cidade. Ele conta a aventura do jovem advogado Aluísio, filho do Coronel Edmundo, que vai de um extremo de luxo e de riqueza dos áureos tempos de seu pai à extrema necessidade de se adaptar à situação nova imposta pela falência da família, este se vê envolvido em uma série de armadilhas arquitetadas por D. Angelina. Essa oposição, de início, é aparentemente gratuita, pois a mulher ambiciosa deixa-se mostrar como alguém com uma inveja fervorosa pela posição social que poderá ocupar o Dr. Aluísio. Só mais tarde é que o leitor compreende, que a questão é maior do que uma intriga elaborada por uma mulher desocupada em uma cidade provinciana. O livro tem como principal característica o seu narrador, que faz referência às narrativas orais, aos contos ouvidos da boca de pescadores e camponeses. É aqui que ele demonstra como é moderno, quando ele agrega à narrativa este elemento arcaico.

Macau, contudo, pode surpreender muito o leitor contemporâneo, em especial por ser um romance urbano, de costumes. Ele apresenta um Nordeste que não é o sertão rural, que não trata da seca e da migração dos retirantes. A obra retrata uma cidade, cuja economia gira em torno do sal e da pesca, que apesar de não ser uma capital é bem estruturada, com um sistema político bem delineado, cuja disputa é também parte do enredo, o que Aurélio Pinheiro usa para fazer uma crítica ao coronelismo decadente.

Além da crítica social, o uso do tempo no romance é também uma forma da narrativa expressar a nova realidade que todos estavam vivendo. Pinheiro escreve Macau com grande velocidade e despejando informações sobre os personagens, criando sobressaltos na narrativa, o ritmo tem intenção de deixar o leitor sem fôlego como o novo mundo moderno estava fazendo com o próprio autor.

Palmyra Wanderley

Palmyra Wanderley

Palmyra Wanderley

Palmyra Guimarães Wanderley nasceu em Natal no ano de 1899, era filha do desembargador Celestino Carlos Wanderley e Ana de Freitas Guimarães Wanderley, teve nove irmãos, sendo a terceira filha do casal. Neta do dramaturgo Luiz Carlos Lins Wanderley, era sobrinha de Ezequiel Wanderley e prima de Maria Carolina Wanderley, parte de uma das mais ricas famílias norteriograndeses que frequentava há algumas gerações os círculos intelectuais potiguares. Apesar disso, morreu na pobreza em 1975.

capa via lactea - palmyra wanderley.jpg

Começou seus estudos em 1902, no Colégio Imaculada Conceição (uma das duas escolas femininas na cidade, a outra era o Colégio N. Sra. das Neves). Na escola aprendeu a ler, noções básicas de matemática, piano, canto e francês. Aos 10 anos, no entanto, foi transferida com as irmãs para Recife, para estudar no internato Damas Cristãs, retornou aos 14 anos para Natal. Chegando na cidade passou a editar, com a prima Carolina Wanderley, a revista feminina Via Láctea, sendo uma das pioneiras do jornalismo potiguar. No primeiro número, a editora Fanette, pseudônimo de Carolina, diz que uma febre de jornais assolavam a cidade, porém apenas “a voz dos garotos” era ouvida. A revista era mensal, tinha oito páginas, sem sessões fixas ou diagramação rígida. O subtítulo dava noção dos temas: “religião, arte, ciência e letras”. Nela, dez jovens publicavam seus textos, e organizavam poesias de grandes poetas nacionais como Olavo Bilac e Auta de Souza.

Em 1917, aos 18 anos, já se considerando velha demais para casar, conheceu o advogado, deputado estadual e desportista Moysés Soares de Araújo. Ela contou em uma crônica no jornal A República como se conheceram:

“Tarde, muito tarde, encontrei-o no caminho da vida. Vinha de longe. Um dia, numa dourada manhã, nos encontramos na mesma estrada. Em busca de um sonho lindo, volitando diante de mim, qual asa furta cor de trêfega borboleta, ia eu a correr, vertiginosamente. Começava ele, a decida, em demanda de um grande ideal. Sem retroceder, no entanto, e sem que eu tivesse tempo de galgar a colina, nos avistávamos a distância. Paramos… Olhou-me… Olhei-o… Compreendemo-nos… Amamo-nos…. E numa confidência de amigos, contou-me a sua história” (WANDERLEY, 1924).

O noivo mandara construir a casa em que morariam, seu quarto nupcial fora forrado de cetim vermelho, sua cor predileta. Porém, no ano marcado para o casamento, em 1922, o noivo morreu vítima de cirrose no dia de aniversário da poetisa: 06 de agosto. Ele morreu em seus braços, e conta-se que suas ultimas palavras foram os versos dela.

Sua poesia, durante este relacionamento, como no poema Noturno, publicado em 1921, tem sempre Moysés Soares como inspiração. Diz ela:

“Desfilam nuvens brancas, nevadas

Ovelhas mansas, arrebanhadas,

Pascendo

Flores, bebendo

Luz

Nos áureos prados

Estrelajados,

Nas fontes de ouro dos céus azuis”.

Sua morte também marca profundamente a poesia de Palmyra entre os anos de 1923 e 1924, como em Gritos da Alma:

Senhor! Senhor! Escuta-me os gemidos

Dilacera-me o peito acerba dor;

Eu trago na alma os ideais partido,

Senhor! Senhor!

Meu sonho, que era dia, é noite escura,

E a escuridão da noite é meu amor.

Saudade, que é tormento, me tortura,

Senhor! Senhor!

Essa também é a causa da diferença entre os seus dois livros publicados também. Esmeraldas, em 1918, que ela escreveu aos 20 anos, cujo nome fazia referência ao anel de noivado recebido por ela; e Roseira Brava, em 1929. Livro que inclusive recebeu menção honrosa da Academia Brasileira de Letras. O primeiro livro tem um eu sentimental e romântico, mas uma crítica absolutamente moderna já aparece em seus versos. Palmyra Wanderley fala sobre a falta de perspectiva feminina com seu universo reduzido ao lar paterno e depois a sua condição de esposa. O segundo livro, no entanto, é sua consagração. Neste, as descrições líricas da cidade, com seus morros, praias e bairros, como no poema Alecrim, chama grande atenção do público nacional, porém suas descrições não a impedem de apresentar críticas sociais diretas como em O Natal da Criança Pobre. É ele quem faz a escritora ser convidada para dar palestras e declamar suas poesias tanto no Rio Grande do Norte como em Recife.

Ela se torna então rainha da poesia potiguar, ou Regina Poetarum, como a chamavam em latim. Quando em 1930 ela recebeu a menção honrosa da Academia Brasileira de Letras um grande baile foi organizado em sua honra no Aeroclube, que recebeu os mais elegantes membros da sociedade. Ela, com uma rosa nos cabelos, surpreendeu a todos com o poema Exaltação:

Porque eu te quero bem, eu desejo ser tua;

Tua, toda tua, inteiramente tua;

Na completa renúncia do meu ser.

Porque eu te quero bem, quero que sejas meu;

Todo meu e só meu e unicamente meu,

Na grande exaltação de te querer

Porque eu te quero bem é que, numa ânsia louca,

Sofro a condenação de querer e esperar

Até que a sementeira amadureça

E os beijos quentes que tu tens na boca,

Rebentem na minha boca a saciar.

Porque eu te quero bem

É que eu sinto a secura

De ti que és meu arroio adormecido

E a sede deste amor sinto aumentar

Porque eu te quero bem é suave a tortura

Da luz que me caustica, sem queimar

Ó sombra que me exalta e me estonteia!

Ó fonte de água doce que me amarga,

Meu fruto proibido e desejado,

Meu vinho que me entontece, sem provar!

Porque eu te quero bem

É que a minha alma está

Na contida expansão de quem deseja e quer,

Porque eu te quero bem, eu desejo ser tua;

Tua, toda tua, unicamente tua,

Na imolação divina de me dar,

Pela glória maior de ser mulher.

Este poema mostra que Palmyra conheceu novamente o amor. Agora com Raimundo França, diretor dos correios e telégrafos. Mas este não era aceito por seus familiares. O motivo: Raimundo era negro. Foi exatamente por isso que seu namoro durou tantos anos, durante vários deles escondidos da família da jovem, porém Raimundo ainda chegou a pedir a mão de Palmyra nove vezes ao seu pai, Celestino. Contudo, a revelia da família, em 1945, com 46 anos, que a poeta decidiu assumir a relação e trazê-lo para viver em sua companhia. A festa foi organizada para 400 convidados, apenas cinco pessoas compareceram, a própria mãe de Palmyra, Ana, declarou que as mulheres que comparecessem ao casamento estariam fora do circulo social natalense.

Ela rompeu então com a família após o casamento. Isto explica seu empobrecimento, porém a versão que a própria família da poetisa contou diz que Raimundo França era famoso por sua ingenuidade. Não sabia negar um pedido a ninguém e muitos se aproveitavam de sua boa fé. Pediam-lhe dinheiro emprestado com intenção de não pagar-lhe e, assim, o patrimônio de Palmyra foi sendo dilapidado. Uma outra versão, ainda segundo os familiares da poeta, Raimundo França teria vendido todos os bens da esposa para o pagamento de dívidas que ele mesmo havia contraído.

Afonso Bezerra

Afonso Bezerra

Afonso Bezerra

Afonso Ligório Bezerra nasceu em 1907, em Carapebas, hoje rebatizada com seu nome. Era filho de João Batista Alves Bezerra e Maria Monteiro Bezerra. Fez seus primeiros estudos em Carapebas, mas mudou-se para Natal na adolescência para estudar no Colégio Marista e, depois, no Ateneu Norte-riograndense. Em 1928, entrou na Faculdade de Direito de Recife, porém nunca concluiu a faculdade já que morreu dois anos depois de tuberculose.

Seus primeiros textos são de 1923, quando ele tinha apenas dezesseis anos. Suas estreia foi com o conto O Orvalho, que foi publicado na revista carioca O Beija-flor. A partir de então, colaborou com jornais potiguares como A Imprensa, Diário de Natal e A República; jornais pernambucanos como Jornal do Recife, A Tribuna e Diário da Manhã; jornais cariocas como O Momento e Excelsior, além de revistas como A Cigarra. Diante de sua meteórica carreira, Afonso Bezerra não chegou a publicar nenhum livro, porém, postumamente, sua produção foi reunida no livro Afonso Bezerra: ensaios, contos e crônicas, somente em 1967. A segunda reunião de textos dele só foram a luz em 2014, com o título No Rancho dos Bentinhos e outros contos, com organização de Thiago Gonzaga.

Seus contos focavam no viés regionalista, fala-se em “lirismo do povo”, “canto da terra”. E como também pregava o modernismo, seus textos focavam num primarismo instintivo, isto é, uma forma de escrever que não parecia rebuscada, que se aproximava com a fala cotidiana.

José Bezerra Gomes

José Bezerra Gomes

José Bezerra Gomes

Nascido no sítio Brejuí, em Currais Novos, em 1911. Filho de Napoleão Bezerra de Araújo Galvão e Veneranda Bezerra de Melo. Neto dos coronéis José Bezerra, por parte de pai, e Luís Gomes por parte de mãe. Era chamado de Gomes, pela família, e viveu sua infância no Seridó, estudando no Grupo Escolar Capitão-mor Galvão (cujo nome homenageava um membro de sua família). Deixou sua terra natal para completar os estudos em Natal, no Atheneu Norte-riograndense, e depois decidiu estudar direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, formando-se em 1936, porém não seguiu carreira jurídica. Retornou a Currais Novos e ingressou na carreira política em 1941, defendendo ideias socialistas. Foi eleito vereador e apresentou um projeto para criar um órgão destinado a zelar pelo patrimônio histórico do município, a Diretoria de Documentação e Cultura. Permaneceu por dez anos na cidade, até vir morar com a mãe na capital, aos 40 anos de idade. Morreu em Natal em 1982.

Seu primeiro livro é de 1938, o romance Os Brutos, escrito para ser uma trilogia, ele remonta a escrita de José Lins do Rego, e, com evidente conotação autobiográfica, queria retratar as plantações de algodão do Seridó, o drama do sertanejo na seca e a falência da sucessão patriarcal (os jovens bacharéis formados nas grandes cidades que tem agora que retornar as fazendas de seus pais). É novamente o romance regionalista moderno em todo o seu esplendor. O romance causou impacto ao ser lançado, sobretudo o tom de denúncia social empregado à obra que se chocava com a nostalgia ao coronelismo que também aparece (a oposição tradição e modernidade típica do período).

O segundo livro, Por que não se casa, doutor?, publicado em 1944, também apela para o regionalismo, apesar da paisagem urbana, de uma cena que se passa agora em Belo Horizonte. “Flávio, principal protagonista e narrador, jovem recém-formado em Direito, não se anima a seguir a carreira jurídica, conforma-se com o emprego de amanuense em uma repartição pública. Tímido, sem espírito de iniciativa, anseia por um amor, que lhe dê sentido à vida, mas vive a perambular pelos prostíbulos da cidade, gastando o seu parco salário em rodadas de chope, quando não está na pensão barata, onde mora, obrigado a conviver com uns tipos vulgares, pequeno-burgueses sem horizontes, que ele descreve com muito senso crítico” (ONOFRE JR, 2020). O livro é escrito em formato de diário íntimo, fugindo dos modelos rebuscados, apelando para a escrita coloquial. Ele também repete a tensão tradicional-moderno a partir da nostalgia de seu personagem com a própria infância nas fazendas do pai, como também no seu conflito de sentir-se incapaz de viver naquela sociedade urbana.

Seu terceiro romance, A Porta e o Vento, de 1974, lhe deu o título de “literatura marginal”, seria a segunda parte de Os Brutos. Tarcísio Gurgel afirma que neste a memória é ainda mais forte como matriz para a produção literária de Gomes. Aqui, seu protagonista é “o menino puro que sucumbe em meio a esse turbilhão de problemas, submergindo e emergindo da loucura, sem saber, eterno inseguro, a que colo recorrer: se a da mãe/nossa senhora, se o da amada/prostituta ou mesmo o que parece mais provável, o da mãe-terra, para o descanso definitivo” (GURGEL, 2001).

O quarto romance, a terceira parte da trilogia de Os Brutos, iria chamar-se Ouro Branco. O manuscrito existe, inacabado, e faz parte do acervo da Fundação José Bezerra Gomes, em Currais Novos.

Hélio Furtado faz um interessante comentário sobre a obra do autor currais-novense:

“há, na obra de José Bezerra Gomes, algo que poderíamos chamar de angústia da masculinidade. Seus personagens masculinos são de certa forma atormentados pelo que a sociedade exige deles para serem considerados “homens”. Em muitas ocasiões paira sobre esses personagens a angústia de terem de fazer algo que vai contra sua disposição natural. A obrigação de ser um “homem de verdade”, ou usando uma expressão bem nordestina, um “cabra macho”, é incômoda para essas personagens”.

Também tem uma importante obra como folclorista. Escreveu dois ensaios, Retrato de Ferreira Itajubá, em 1944; e O Teatro de João Redondo, em 1975; uma tese de doutoramento, O Brinquedo de João Redondo, aprovada em 1951, fruto de uma pesquisa realizada sobre o mamulengueiro Sebastião Severino Bastos, talvez a primeira realizada no nordeste brasileiro. Escreveu também monografias históricas como a Sinopse do município de Currais Novos, em 1975, e a Retrospecção da vida do presidente Tomás de Araújo Pereira, em 1981.

Zila Mamede

Zila Mamede

Zila Mamede

Zila da Costa Mamede nasceu em Nova Palmeira, na Paraíba, no sítio do seu avô materno, em 1928; era filha de Josaphat Gomes da Costa Mamede e Elydia Bezerra Mamede. Ainda aos cinco anos retornou com a família de origem potiguar para morar em Currais Novos, onde seu pai trabalhava na indústria do algodão. Fora educada até aqui em casa, pela própria mãe que lhe ensinou as primeiras letras, mas em 1936 passa a frequentar o Grupo Escolar Capitão-mor Galvão, onde permanece até os 12 anos quando se transfere para o Seminário São Pedro, em Natal.

A vinda para a capital, a partir de 1942, não está relacionada com a educação de Zila e de seu irmão Saly, que a acompanha no Seminário, mas se deu devido aos negócios de seu pai com os americanos que estavam na cidade. Ele chega inclusive a trabalhar na própria base área de Parnamirim. Em 1946, ela se forma, no curso técnico de Auxiliar de Escritório, no Colégio Imaculada Conceição, e no ano seguinte consegue seu diploma ginasial. Após concluir seus estudos, tentou o noviciado, profundamente influenciada pelas freiras do Colégio Imaculada Conceição, porém, após uma temporada morando em João Pessoa e Recife, junto ao padrinho Francisco de Medeiros Dantas, desistiu do caminho de freira e regressou a Natal aos 21 anos. Foi quando ela começou a escrever poesias. Ela levou quatro anos para publicar o primeiro livro, Rosa de Pedra, em 1953. Seguiram a este, Salinas em 1958; Arado em 1959; Exercício da Palavra em 1979; e Corpo a Corpo em 1978. Em 1954, após deixar seu emprego de chefe de escritório no SESI, passou a trabalhar como auxiliar de biblioteca no Atheneu Norte-riograndense, a partir deste novo trabalho foi indicada para participar do curso de Biblioteconomia promovido pelo Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro; através do programa de assistência técnica as bibliotecas brasileiras, em 1955, ela ingressa na Universidade Federal do Rio de Janeiro para fazer o curso completo de Biblioteconomia. Zila retorna a Natal, como bibliotecária formada em 1957, reestruturando as maiores bibliotecas da cidade: as bibliotecas das Faculdades que iriam integrar mais tarde a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 1959; e a Biblioteca Câmara Cascudo, em 1960, tornando ambas referência para todo o Brasil. E também atuando como jornalista para o Diário de Natal e o jornal carioca O Globo. Em 1961, já professora da Universidade Federal do Rio Grando do Norte, afastou-se para realizar uma especialização em Administração de Bibliotecas pela Syracuse University Library, como bolsista do governo americano. Em 1964 realiza seu mestrado em Biblioteconomia pela Universidade de Brasília, escrevendo uma dissertação sobre Câmara Cascudo. Em 1972, afasta-se da UFRN, requisitada pelo Instituto Nacional do Livro, em Brasília, no qual permanece por dois anos, retornando para ver fundada a Biblioteca Central da UFRN, na qual se aposentaria em 1980, como diretora, e que, mais tarde, ganharia seu nome, no ano de sua morte. Zila morreu afogada quando nadava na Praia do Forte em 1985, aos 75 anos.

Zila escrevia sobre o Nordeste, em especial sobre o sertão nordestino (reforçando o regionalismo como uma tradição importante do movimento modernista, mesmo para uma artista mais tardia como Mamede). Seu fascínio pelo mar também é um tema recorrente em sua produção. Rosa de Pedra, em especial, ganhou bastante destaque com os comentários publicados pelo poeta Manoel Bandeira sobre suas impressões. Ela também tem grande destaque como pesquisadora, em especial sobre a obra de Câmara Cascudo e João Cabral de Melo Neto.

PARTIDA

Quero abraçar, na fuga, o pensamento
da brisa, das areias, dos sargaços;
quero partir levando nos meus braços
a paisagem que bebo no momento.

Quero que os céus me levem; meu intento
é ganhar novas rotas; mas os traços
do virgem mar molhando-me de abraços
serão brancas tristezas, meu tormento.

Legando-te meus mares e rochedos,
serei tranqüila. Rumarei sem medos
de arrancar dessas praias meu carinho.

Amando-as me verás nas puras vagas.
Eu te verei nos ventos de outras plagas:
juntos – o mar em nós será caminho

Para Saber Mais:

Hélio Furtado. José Bezerra Gomes e a agonia da masculinidade.

Isabel Carvalho. Palmyra Wanderley e a educação da mulher no cenário norte-riograndense (1914-1920)

José Américo Miranda. José Bezerra Gomes: o romance quer ser poema

Leila Tabosa. Macau: primeira aproximação.

Lígia Silva e Rochele Ribeiro. Jorge Fernandes e o fascínio pela invenção da modernidade.

Maria Aparecida Rêgo. Entre salinas e maledicências: uma leitura do romance Macau e sua aplicabilidade ao ensino de literatura.

Maria da Conceição Monteiro. A produção literária no Rio Grande do Norte sob a ótica de Luís da Câmara Cascudo.

Maurício Silva. Vestígios da estética Art Nouveau no Brasil pré-modernista.