Crianças Abandonadas em Natal

Ilustração sobre a Roda de Expostos que nunca existiu em Natal.

Ilustração sobre a Roda de Expostos que nunca existiu em Natal.

Por Prof. Dr. Thiago Torres

É sabido que o abandono de crianças recém-nascidas é um fenômeno presente em nossa sociedade ocidental desde a Antiguidade, sendo justificado de maneira diferente em lugares e tempos diferentes. Ressalta-se ainda, que a prática do enjeitamento foi trazida para a América por portugueses e espanhóis ainda no século XVI, não sendo parte da cultura indígena, nem africana.

Dessa maneira, a paróquia da Cidade do Natal correspondeu, como tantas outras paróquias durante o período colonial, a uma área de assistência religiosa onde havia igrejas, capelas e padres, comportando grandes espaços onde a população vivia dispersa em diferentes fazendas, mesmo existindo pequenos povoados. A área de assistência religiosa da cidade estendia-se por toda a capitania do Rio Grande, só sendo dividida na primeira metade do século XVIII com a criação de outras paróquias, como a do Açu e Caicó no sertão, a de Goianinha no litoral.

No tocante ao abandono de recém-nascidos na paróquia da Cidade do Natal, o fenômeno não foi considerado um problema social pelo Senado da Câmara ou pelos padres visitadores da Sé de Olinda, que passavam em revista a jurisdição eclesiástica, examinando a conduta dos paroquianos e párocos locais. Sobretudo por que o índice de abandono na paroquia era muito baixo, entre os anos de 1750 e 1835, foram arrolados um total de 5.381 batismos, sendo identificados 157 enjeitamentos, o que corresponde a um percentual 2,9% do conjunto da amostragem.

A taxa de abandono da paróquia estudada pode ser considerada baixa, quando comparada com outras taxas em formações sociais urbanas e portuárias da América portuguesa, cujos os índices atingiram a grandeza dos 20%. Sendo poucos os recém-nascidos enjeitados na transição do século XVIII para o século XIX, aqueles meninos e meninas não chegavam ao Senado da Câmara da Cidade do Natal, instituição que tinham a função de subsidiar a criação, dessa forma não constituindo um problema para os homens-bons do lugar.

Detalhe da Roda de Expostos em Açores, na Igreja de Santa Maria Magdalena.

Detalhe da Roda de Expostos em Açores, na Igreja de Santa Maria Magdalena.

Problema para os homens-bons do Senado da Câmara, eram configurados em outros aspectos, como: pontes quebradas; fontes e caminhos sujos; porcos destruidores de roças soltos pelas ruas, ou mesmo mulheres de má procedimento cotidiano. O ínfimo percentual de enjeitamento na paróquia, possibilitou que os recém-nascidos abandonos fossem invisíveis aos olhos dos padres visitadores da Sé de Olinda. Os representantes do Bispo de Pernambuco consideravam problema, os indivíduos que não batizavam os filhos até o oitavo dia de nascimento, ou mesmo os homens e mulheres que deixavam de ir à missa do domingo, para fazerem roça e pescarem.

A paróquia da Cidade do Natal nunca teve em seu território organizações oficiais de recolhimento e amparo aos recém-nascidos, como em outras formações sociais da América portuguesa, a dita Roda dos expostos. Com isso, os enjeitados foram socorridos pelos próprios moradores do lugar, pessoas que estavam ligadas umas as outras por laços de interdependência mútua, hierarquizados entre si, compondo verdadeiras redes informais de assistência.

Por últimos, considera-se que o abandono na paróquia da Cidade do Natal foi protetor, pois 100% dos recém-nascidos foram abandonados em domicilio durante a noite, alguns portando bilhetes e por muitas vezes deixados em casas que apresentavam indícios da presença de leite humano, o que permitia a manutenção das pequenas vidas.  

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