As Missões Jesuítas

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Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Após a chegada dos portugueses e a fundação da Fortaleza dos Reis Magos, a grande preocupação da coroa portuguesa, além de manter a posse do território, era a evangelização dos pagãos, dos não-cristãos que haviam na Nova Terra. Para isso, a Igreja Católica enviou inúmeros missionários desde 1549, com o primeiro jesuíta pisando em terras potiguares em 1597.

Os padres, especialmente os jesuítas e franciscanos, inicialmente faziam Missões Volantes, nas quais faziam visitas as aldeias indígenas, buscando catequizar e realizar os sacramentos, como o batismo e o casamento, para que estes vivessem como bons cristãos. As primeiras visitas se deram na Bahia, onde os jesuítas aprenderam a língua tupi, “ao dominar a língua nativa, os jesuítas passaram a ter um entendimento mais profundo da cultura indígena” (VIEIRA, 2004) e logo se tornaram os interpretes entre o mundo branco dos imigrantes portugueses e o universo daqueles que já viviam na América portuguesa.

No Rio Grande do Norte, as primeiras Missões Volantes se iniciam em 1597, com os padres Gaspar de Samperes e Francisco de Lemos, que faziam visitas as aldeias as margens dos rios Potenjy e Jundiay. Eles, inclusive, foram bastante responsáveis pela acordo de paz instaurado entre os potiguaras e os portugueses, permitindo o fim dos ataques a cidade do Natal. Os padres construíram então uma residência em Natal, de onde partiram as próximas Missões Volantes que, a partir de 1605, sempre em dupla, começaram a avançar para o sertão. Gaspar de Samperes, em 1613, conta sua viagem a oito aldeias potiguaras, acompanhado do padre Pedro de Castilho. Uma viagem de sete meses em que ele batizou 416 crianças e adolescentes, 24 adultos; realizou 35 casamentos, ouviu 300 confissões e 20 comunhões.

Porém, com o tempo, se percebeu a necessidade de manter um controle mais sistemático da população indígena. Os padres reclamavam que após receber os sacramentos cristãos, logo que o sacerdote deixava a aldeia, os nativos voltavam as suas práticas antigas, especialmente duas práticas que mais chocavam os europeus: a poligamia (o casamento com várias pessoas ao mesmo tempo) e o canibalismo (comer carne humana). Não bastava passar por ali uma vez ao ano para mantê-los bons cristãos, era preciso uma presença constante da autoridade eclesiástica, com isso começaram a se fundar Missões de Aldeamento.

Estas eram fundadas (inicialmente) mais distantes dos povoamentos brancos, mais próximos do habitat natural do indígena. Eram organizadas seguindo o mesmo sistema das vilas coloniais, com o governo nas mãos de um meirinho (espécie de prefeito) que era escolhido pelos religiosos entre os próprios indígenas, que se tornava responsável por fazer com que seus compatriotas cumprissem as regras da aldeia: o trabalho na roça, as idas a igreja e as confissões. O meirinho era o responsável também pelas punições daqueles que infringiam as normas, para tanto um pelourinho era levantado na praça central. Cada missão tinha, no mínimo, 150 indígenas aldeados e tinha como foco atrair novos o tempo todo. Ela também deveria garantir seu próprio sustento, evitando pedir mantimentos a Coroa, por isso o trabalho na roça era tão estimulado pelos religiosos, como também o artesanato que pudesse ser vendido aos colonos nas vilas e cidades portuguesas.

“As Missões de Aldeamento não tiveram apenas um caráter religioso, mas ao que se pode compreender asseguravam a concretização de diversos aspectos da colonização. Do ponto de vista econômico haveria um melhor acesso dos colonos à mão-de-obra indígena, como também às terras por eles ocupadas; geograficamente a localização das Missões, formava uma espécie de "barreira" contra os índios não convertidos e rebelados que ainda não tinham sido aldeados. Culturalmente esta concentração de índios numa área restrita iria facilitar o processo de conversão e absorção da cultura europeia” (VIEIRA, 2004).

As primeiras missões deste tipo no Rio Grande se instalaram em 1641, São Miguel do Guajiru, onde hoje fica Extremoz; a segunda tentou-se no sertão, em 1657, São Francisco Xavier, na Serra de Ibiapaba, no atual Ceará, e em 1681, São João de Guaraíras, as margens da lagoa de mesmo nome, em em Arêz. São Miguel do Guajiru reuniu os potiguaras que tinham aldeias ao norte do rio Potengy, esvaziando a aldeia de Igapó, que tinha por volta de 2 mil habitantes, além de 17 casais e “30 machos” janduís, após a Guerra dos Bárbaros, 100 tapuias chegaram; São Francisco Xavier, com 1600 almas, juntou potiguaras de Pernambuco, da Paraíba e também do Rio Grande do Norte; enquanto a Missão de Guaraíras reuniu os nativos do sul do rio, especialmente aqueles que habitavam as aldeias de Mopebi, em São José do Mipibu, que tinha por volta de 750 habitantes, Jacumaúma e Aranum, além destes potiguaras, os canindé também foram colocados na mesma aldeia causando grandes atritos com os “índios mansos” dos padres.

A Missão de São Francisco Xavier durou pouco tempo. Em 1662, uma rebelião comandada por Simão Tagaibuna tomou tamanha proporção que os jesuítas foram obrigados a abandonar a aldeia. O Governador Geral temendo perder o controle do território lançou suas forças para abafar a revolta.

A partir de 1695, o Governador Geral do Brasil ordenou a instalação de missões nas ribeiras do Jaguaribe, Açu e Piranhas para garantir a segurança dos moradores e também do caminho que levava as terras do Maranhão. A revolta na missão de São Francisco Xavier o fez perceber esta necessidade. A missão de São João Batista do Apodi foi a primeira fundada pelos padres José Guincel e Felipe Bourel, na ribeira do Açu. Aqui 153 tarairiús, especialmente Paiacús, foram colocados. Em 1696, os canindes foram assentados no chamado Nossa Senhora da Anunciação do Jaguaribe, e em 1699, mais Paiacús são levados para o Presídio da Ribeira do Piranhas.

Contudo, por causa da fome, causada pela seca, muitos destes indígenas precisaram ser transferidos para o litoral, e unidos a outros indígenas. Em 1700, os Janduís e Coremas, sendo mais ou menos 500 pessoas, foram alojados numa missão chamada de São Paulo da Ribeira do Potenjy, enquanto os Panacu-açu foram colocados no aldeamento chamado Nossa Senhora da Piedade da Ribeira do Ceará-Mirim. Em 1704, os indígenas canindé, vindos do Jaguaribe, foram aldeados na ribeira do Cunhaú, na missão de Nossa Sra. do Amparo de Cunhaú. Isto causou grandes conflitos, especialmente com o dono do Engenho Cunhaú, nesta época Afonso de Albuquerque Maranhão, que se queixava de roubo de gado, roubo de peixe e das roças. A documentação diz que os “índios são incontroláveis”.

Diz Fátima Lopes:

“As transferências, assim como a inadaptação ao ambiente e os problemas com os colonos vizinhos, expõe às dificuldades destes tapuias recém-aldeados em obterem sustento necessário às pessoas do grupo. A desestruturação econômica e social, principalmente por terem tradicionalmente um modo de vida seminômade, baseado na coleta, caça e agricultura rudimentar, dificultava a estabilidade do aldeamento”.

Os conflitos duraram até, através de um alvará, emitido pelo Marquês do Pombal, em 1757, os jesuítas perderam sua jurisdição pelos indígenas. As missões foram transformadas em vilas, e muitos aldeados perderam a mínima proteção garantida pelos padres. Em muitos casos, os tapuias preferiram abandonar as aldeias. Voltaram para sua vida seminômade, vagando pelo sertão, retornando a suas “antigas superstições”, como fala a documentação.

Para saber mais:

Fatima Lopes, Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte.

Leonor Vieira, A atuação dos jesuítas no processo de aculturação no Rio Grande do Norte.