História da Arte Potiguar: Pré-História - Tradição Nordeste

Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Os seres humanos chegaram a região nordeste do Brasil entre o fim do Pleistoceno (a famosa Era do Gelo) e o início do Holoceno. Eles eram caçadores e coletores, caçando inclusive animais da megafauna como preguiças-gigantes e elefantes, que se estabeleceram próximo as fontes de água (rios, corrégos, lagoas e fontes). Os mais antigos registros foram encontrados no Piauí e na Bahia, registrados 12 mil anos atrás. No Rio Grande do Norte, os registros mais antigos são dos sítios da Pedra do Mirador, em Parelhas, com 9410 anos de idade; e da Pedra do Alexandre, em Carnaúba dos Dantas, com 9400 anos. Um destaque que precisa ser dado: os enterramentos, os corpos humanos encontrados, no sítio Alexandre chamam atenção pela sua quantidade (cerca de 28), junto a eles foram encontrados mobiliário fúnebre e ferramentas de pedra, mostrando que são homens da Era da Pedra Lascada.

Esses homens, nos seus abrigos de rocha, e nas cavernas que habitavam, fizeram inúmeras pinturas nas paredes. Estas pinturas foram descobertas pela primeira vez ainda no século XVIII, em 1799, quando o padre Francisco Teles empreendeu viagens pelo Brasil e publicou seu Mapa do Novo Descoberto. Um século depois surgiu a primeira interpretação desses desenhos. Henri Breuil, pensando as pinturas rupestres encontradas na Europa, disse que essas imagens tinham intenção de controlar a vida, de uma forma mágica controlar o real, isto é, quando se desenhava uma caçada era para garantir que os animais fossem capturados. Essa teoria, apesar de ainda ser muito popular entre os não-especialistas, sendo inclusive muito divulgada nos livros didáticos, foi já no século XX, com o Estruturalismo, refutada.

Autores como Claude Levi-Strauss, Roland Barthes e André Leroi-Gourhan defenderam, com base nas suas pesquisas sobre populações indígenas, que estes desenhos eram um sistema de comunicação, que eles contavam histórias, que eram uma forma de transmitir as novas gerações à tradição. Leroi-Gourhan em seu Arqueologia Etnográfica, ainda acrescentou que interpretar os desenhos nas paredes sem avaliar os vestígios que se encontravam no mesmo ambiente era um imenso erro. Por exemplo, se os desenhos são encontrados junto a enterramentos, a corpos humanos enterrados, elas deveriam ser interpretados de uma forma; já se fosse encontrados junto a ferramentas, armas e cerâmica, o sentido dado deveria ser outro.

A partir da década de 1970, começou-se a perceber que os grafismos (que podem ser puros, com representações apenas geométricas; compostos, com figuras reconhecidas de homens, plantas e animais; e de ação, quando compõem cenas descritivas como uma dança ou uma caça) se relacionavam também com a região, com a paisagem, demonstrando que os artistas não era isolados do seu meio socio-cultural, o que fazia com que regiões diferentes tivessem tradições artísticas diferentes. Gabriela Martin e Niéde Guidon. Essas tradições são definidas a partir primeiramente do período cronológico do sítio; em seguida são levadas em conta as características técnicas como que tipo de pigmento/tinta é utilizado; que ferramentas (pinceis ou dedos) são usadas; e que temas são representados (grafismos puros, grafismos compostos, grafismos de ação).

Sete tradições ocorrem no Brasil (Geométrica, Litorânea, Planalto, São Francisco, Nordeste, Agreste e Amazônica), sendo que três dessas ocorrem no Rio Grande do Norte: Nordeste, Agreste e Geométrica. Sendo que cada um dessas tradições se dividem em subtradições, chamadas de Estilo, que caracterizam regiões específicas. No caso da Tradição Nordeste, o Estilo Seridó é o mais comum aqui no Estado.

Piroga - Furna do Messias, Carnaúba dos Dantas - RN (BORGES, 2008)

Piroga - Furna do Messias, Carnaúba dos Dantas - RN (BORGES, 2008)

As características desta Tradição Nordeste são figuras compostas de pequeno tamanho, antropomorfas, dotadas de atributos e ornamentos (como cocares, armas e vestimentas), além de representações de animais (um elemento interessante é que os animais são representados em tamanho maior que os seres humanos). Tem como temática situações sociais como lutas, caças, dança e sexo, representados em grafismos de ação. A técnica possui traços leves, pintados com instrumentos/pincéis finos e delicados. Os pigmentos utilizados tem como principal cor o vermelho, porém também podemos encontrar branco, preto, cinza, amarelo, verde e azul.​ Ela ocupa cavernas e abrigos de rocha.

Uma figura emblemática da Tradição Nordeste é a piroga. Inicialmente imaginada como uma embarcação, ela passou a ser interpretada, desde 2004, como uma rede funerária. Uma rede em que os mortos eram colocados para serem levados ao seu sepulcro. Outra figura comum é a de dois seres humanos um de costas para o outro, separados por três pontos, ela costuma ser interpretada como uma espécie de dança ritual, provavelmente algum tipo de iniciação. Uma terceira imagem comum é a trindade, duas figuras adultas que protegem ou seguram uma criança.

Pedra do Mirador,  Parelhas - RN (Foto: Hugo Macedo, http://fotohugo.blogspot.com/2009/03/escrituras-rupestres.html)

Pedra do Mirador, Parelhas - RN (Foto: Hugo Macedo, http://fotohugo.blogspot.com/2009/03/escrituras-rupestres.html)

A Subtradição Seridó, que se divide nos estilos Serra da Capivara, Carnaúba e Cerro Corá, tem suas características próprias também. No que concerne aos grafismos, temos a representação de seres humanos também, estes usando cocares, o que é normalmente interpretado como uma organização social hierarquizada, com aqueles que usam essas “coroas” sendo os líderes do grupo. As cenas de ação registram em especial cenas de sexo (grupal, hetero e homoerótico) e também cenas de masturbação, mas também encontramos cenas com danças em torno de árvores, que parecem rituais de adoração, e jogos. Animais também são representados, em especial a fauna da região à época, como veados, emas, tucanos, onças, araras e capivaras.

Abaixo temos pinturas rupestres dos sítios Mirador e Alexandre, ambos no estilo Carnaúba, subtradição Seridó: