Alecrim: Por Que Alecrim?

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

O Alecrim nasce em 1911, em 23 de outubro, como o quarto bairro da cidade. Porém como já dissemos ele era habitado desde o início da colonização, com as primeiras doações de terra remontando a 1677. Pescadores as margens do rio, no Refoles, e comerciantes ao redor da antiga estrada para Guarapes, que conectava com as vacarias e os galpões de algodão que eram embarcados em Macaíba. Porém duas regiões bem distintas também faziam parte do bairro: o Alto de Santa Cruz e a Baixa da Égua. O Alto de Santa Cruz ficava próximo ao Baldo e abrigava casas com fachadas de tijolos ainda no século XIX, indicando que esta região era habitada por pessoas de grandes posses. Um cata-vento às margens da assombrada Mata da Bica garantia água para esse público. Roçados de grandes negociantes da cidade ocupavam toda a região onde hoje está localizado o Colégio das Neves.

Uma outra região, segundo Câmara Cascudo, se chamava Baixa Da Égua. “Lá na Baixa Da Égua” era uma expressão que queria dizer “um lugar muito distante”. Esta era a região mais distante do centro da cidade, além do cemitério. Ela ocupava a região entre as atuais Igrejas da Conceição, na Presidente Sarmento, e de São Sebastião, na Coronel Estevam. Interessante é que o nome foi herdado, quando o Alecrim foi fundado, a Baixa da Égua foi para mais longe. Ocupando onde hoje é o bairro do Bom Pastor, já que as regiões limítrofes ao Alecrim já tinham seus nomes: Quintas e Carrasco (hoje Dix-Sept Rosado). A Baixa era ocupada por ex-escravos, migrantes sertanejos e caboclos.

Um personagem interessante que merece ser citado é o ex-escravo, Manoel Peregrino. Liberto do rico negociante Joaquim Inácio Pereira, ele comprou uma casa no Alto da Santa Cruz, em 1895, causando grande choque na boa sociedade natalense. Se pensava: “como um preto poderia morar junto dos homens ricos”? Mas Peregrino podia. Comprou sua casa e convidava seus amigos para bailes e batuques em sua casa. Reinaldo Lourival, no Jornal A Ordem, fez uma denúncia:

“[no seu] covil fazia e vendia panelada [feijoada] à sua baixa e temível freguesia. Era, enfim, uma pensão para gente de meretrício e do álcool, cujo prato principal era servido às tantas da noite. E tais eram as desordens ocorridas em tal antro, que a tolerante polícia daquela época intimou-o a retirar-se para mais longe da cidade de então. E, dando a ele, provavelmente, bom dinheiro pela casinha (…) mudou-se e instalou-se longe dali com toda a sua indesejável clientela, dando largas à mais desenfreada orgia e desordem.” (A ORDEM, 1948).

Somos obrigados a desconfiar desta descrição da casa de Manoel Peregrino por dois motivos. O primeiro ponto é que Reinaldo Lourival diz que ouviu a confissão das orgias e desordens de um negro que apanhara de Manoel Peregrino. Ele com certeza tinha motivos para destruir a imagem de Peregrino, não é? E o segundo ponto é que o próprio denunciante afirma que a polícia pagou para que o ex-escravo deixasse a vizinhança, dando-lhe bastante dinheiro para ele comprar um sítio mais distante, lá na Baixa da Égua, por que a polícia faria isso com um criminoso?.

Uma irritação que Reinaldo Lourival não deixa de mencionar é que o nome Alecrim pode ter origem nas festas de Manoel Pelergino. Ele diz que a casa era perfumada com a planta aromática, provavelmente misturada no fumo consumido pelos presentes, era o perfume da festa que divertia pretos libertos.

“Pois bem, foi (…) este negro e ex-escravo Manoel Peregrino, dono dessa pensão de paneladas, meretrício e desordem, que, de parceria com os seus convivas, sentido talvez o cheiro da planta aromática que certamente em casa tinha, talvez ignorando o que eu tinha proposto, batizar de Alecrim o novo bairro a que eu havia dado o já expressivo e cristão nome de Alto da Santa Cruz”. (A ORDEM, 1948)

Porém, precisamos perguntar: por que nossa historiografia apagou esta versão e abraçou com tanto agrado a história da velha que costumava enfeitar com ramos de alecrim os caixões das crianças que eram levadas ao cemitério. Porque essa senhora sem nome, cuja história tem, segundo Cascudo, tanta possibilidade de ser verdade quanto a da abundância de alecrim-do-campo nas capoeiras do bairro, tornou-se a versão oficial e o depoimento do filho do poeta Lourival Açucena foi deixado no esquecimento?

Para Saber Mais:

Itamar de Souza. Nova História de Natal.

Luís da Câmara Cascudo. História da Cidade do Natal.

Josué Bezerra. Uma discussão sobre o bairro: o caso do Alecrim em Natal-RN