Alecrim: Um Porto Francês

Vista do Rio Potengi do bairro do Alecrim, na região onde provavelmente era o Porto de Refoles.

Vista do Rio Potengi do bairro do Alecrim, na região onde provavelmente era o Porto de Refoles.

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Nossa história oficial conta que a primeira tentativa de colonização teria sido a expedição de João de Barros e Aires da Cunha que tentaram fundar uma vila na foz do Rio Ceará-Mirim, contudo, os documentos mostram que antes das tentativas portuguesas, os franceses já estavam se estabelecendo no Rio Grande do Norte.

Olavo de Medeiros inclusive data a chegada da primeira nau francesa ao Estado em 1503, referindo a viagem de Paulmier de Gonneville. Outros documentos que mostram a presença francesa são de origem lusitana. Um destes documentos são as ordens do rei D. Sebastião, de 1561, que proibiam que qualquer um aportasse à capitania do Rio Grande sem a permissão do seu donatário. Este tipo de proibição só aparece após os fatos estarem acontecendo. Já haviam europeus que estavam estabelecendo entrepostos comerciais na região. Outro documento importante é o Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, escrito por Gabriel Soares de Souza, que informa que franceses desobedeciam com veemência esta proibição. O cronista dizia que pelo Ceará-Mirim e Potengi entravam navios vindos da França que saiam carregados de pau-brasil comprado dos potiguaras. Jerônimo de Barros, filho do donatário, ainda escreve uma carta para o rei dizendo que é “necessário povoar esta capitania antes que os franceses a povoem. (….) E fazem já casas de pedra em que estão em terra fazendo comércio com o gentio”.

Vista do Rio Potengi.

Vista do Rio Potengi.

Diz Câmara Cascudo que todo o século XVI foi de presença francesa na região. Com a ascensão ao trono de Francisco I, as relações entre Portugal e França estavam bem abaladas, portanto, não havia nenhum problema legal, por parte da coroa francesa, que eles pirateassem a costa, mas também se estabelecessem entre os indígenas, aprendendo a falar sua língua, pintando-se com urucum e jenipapo, furando os lábios com tambetá e se casando com mulheres nativas. Sua amizade com os indígenas criava o clima hostil com os portugueses que estavam acostumados a atacar as aldeias, sequestrando e matando homens e mulheres, como censura o próprio D. Sebastião, em 1561.

Francisco I, inclusive, contestou até mesmo ao Papa, sobre o monopólio português e espanhol sobre as terras americanas. Ele exigiu saber onde, no testamento de Adão, estava escrito que somente seus irmãos portugueses e espanhóis tinham direito sobre as terras recém-descobertas.

Gabriel Soares de Souza conta que dois portos franceses haviam ao sul do Rio Grande do Norte: o Porto de Búzios, na atual Praia de Búzios, e outro na Baia da Traição, conhecido como Porto de Acajutibiró. Victor Peixoto ainda lembra de um porto no rio Guamoré, no litoral norte, e Olavo de Medeiros Filho dá notícia dos restos de uma fortaleza francesa na margem sul do rio Pirangi, próximo aos limites da praia de Cotovelo. Além destes, dois portos franceses foram localizados por arqueólogos no rio Potengi, um na margem norte, o Alto do Portinho, e um na margem sul, mais antigo, o Refoles, as margens alecrinenses do rio.

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O nome Refoles vem do marinheiro francês Jacques Riffault que fundou na região um porto e uma pequena vila, que já ameaçava se tornar uma fortaleza francesa (Riffault vai ser um dos fundadores da cidade de São Luís, no Maranhão, mais tarde). Era uma cidade pirata, em que navios aportavam se preparando para ataques a caravelas portuguesas e as cidades do litoral. Cabedelo, na Paraíba; Igarassu, em Pernambuco, eram frequentemente atacadas por estes franceses que, depois, se escondiam no Potengi. O rio era perfeito para isso. Com uma foz perigosa para entrar se você não conhecesse o caminho, muitos naufrágios aconteciam. Ninguém se arriscaria a invadir o porto francês.

Base Naval - Cartão Postal - 1970 (Disponível em Fatos e Fotos Natal Antiga)

Base Naval - Cartão Postal - 1970 (Disponível em Fatos e Fotos Natal Antiga)

Base Naval - Foto: Esdras Rebouças (Disponível em: https://www.facebook.com/photo?fbid=10224522340949361&set=gm.2846172062368916)

Base Naval - Foto: Esdras Rebouças (Disponível em: https://www.facebook.com/photo?fbid=10224522340949361&set=gm.2846172062368916)

Após a expulsão francesa, o terreno que se prestava ao plantio de mandioca, continuou sendo habitado, formando um povoado com residências distantes umas das outras, como outras que começaram a se formar na cidade, além dos dois únicos bairros: Cidade Alta e Ribeira. Rocas era o mais antigo destes povoados, onde, como o Passo da Pátria, moravam pescadores; além disso já existiam o Baldo, Barro Vermelho e Quintas com suas fazendas. Sem esquecer do Guarapes, com toda a movimentação econômica que girava em torno do seu porto. No Refoles reuniam-se agricultores e, mais tarde, operários. Segundo Josué Bezerra, nesta época, os migrantes vindos do sertão acabavam ficando nestes núcleos.

Rua Sílvio Pelico

Rua Sílvio Pelico

Rua Sílvio Pelico nos dias atuais.

Rua Sílvio Pelico nos dias atuais.

Refoles era “tão longe e tão deserto que os presidentes da Província aproveitavam a solidão construindo asilos, barracões de palha, abrigando, como isolamentos, os pobres que adoeciam de varíola”, como diz Cascudo. Ele só começou a crescer quando foi conectado a Ribeira e as cidades de Ceará-Mirim, Extremoz e São José do Mipibu com o prolongamento da estrada de ferro. Isso ampliou o número de viajantes que acabaram se instalando no povoado para pernoite. Para isso surgiram alojamentos e estalagens. Em 1896 se instalou uma fábrica de sabão na região, a Companhia Moura e Borges, e seus operários construíram suas casas ao redor do seu local de trabalho. Em 1908, a Intendência Municipal recebeu a autorização para construir uma Escola de Aprendizes Marinheiros no local (retirando-a da atual Capitania das Artes), a estrada que conectava a escola à Cidade Alta se torna a via em que a ocupação desta região vai se dar, ao redor da atual Rua Sílvio Pelico. Casas e sítios vão se espalhar neste caminho. A escola permaneceu em Refoles até 1942, quando a Base Naval ocupou suas instalações.

Escultura em frente a Base Naval Almirante Ary Parreiras

Escultura em frente a Base Naval Almirante Ary Parreiras