Clara Camarão - Lugar de Mulher é no Campo de Batalha

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

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Maria Clara Filipa Camarão foi uma indígena da etnia potiguara, habitante da aldeia Igapó, na zona norte de Natal. Ela nasceu por volta de 1590, não temos a data exata, e chamava-se Maíra (?), porém foi batizada em 1614, junto ao marido, Antônio Felipe Camarão, pelos jesuítas no aldeamento de São Miguel do Guajiru, hoje Extremoz.

Seu grande destaque se dá quando os holandeses invadem o nordeste brasileiro. A República das Províncias Unidas tenta invadir o Brasil em 1624, atacando Salvador; e depois em 1630, atacando Olinda. A verdade é que a União Ibérica colocou as colônias portuguesas em guerra contra os países que eram amigos de Portugal, mas inimigos das coras de Leão e Castela e isso é ainda mais intenso com os holandeses, que estavam em guerra com a coroa espanhola tentando conseguir sua independência. Sim, a Holanda, até 1648, era uma colônia da Espanha. Quando o ataque é, finalmente, bem sucedido em Olinda, os holandeses descobrem que sem a capitania do Rio Grande, que fornece o alimento para os pernambucanos, seria impossível manter a indústria do açúcar. É por isso que em 1631 os holandeses atacam a cidade de Natal, porém, somente em 1633 eles conseguem vencer as defesas portuguesas.

Quando os holandeses atacam Olinda, Felipe Camarão se oferece como voluntário, com uma companhia de 350 homens, índios potiguares, para lutar contra a invasão holandesa. E parte para o Pernambuco. Clara fica então sozinha na aldeia de Igapó. Quando três anos depois, os holandeses atacam o Rio Grande e tomam o forte, o próximo passo deles foi atacar a aldeia, do outro lado do rio Potengi. Contudo, eles encontraram Clara.

Ela organizou a defesa de sua tribo. Uma defesa organizada principalmente com as mulheres, já que os melhores guerreiros haviam sido recrutados pelo seu marido. As índias potiguaras surpreenderam os invasores europeus com a pontaria das setas de seus arcos, a força com que golpeavam com seus tacapes e com a ferocidade com que os varavam com suas lanças. Os holandeses foram derrotados e tiveram que se manter a margem sul do rio, permanentemente ameaçados pela tribo potiguar.

Clara, no entanto, decidiu não permanecer no Igapó e viajou para encontrar o marido, Felipe Camarão. Encontrou-o em Pernambuco, na aldeia de Tejucupapo, um antigo aldeamento jesuíta, tão conhecida por ela. Os índios continuavam produzindo farinha e colhendo caju, alimentos que eram muito desejados pelo invasor holandês. Por isso a aldeia permanecia fortificada. Na aldeia, juntou-se ao grupo dela ainda mais guerreiras indígenas, como Maria Quitéria, Joaquina e Maria, que ficariam conhecidas como Heroínas de Tejucupapo. Lá elas foram treinadas nas armas portuguesas, aprendendo rapidamente a lutar com espadas e broquel, um pequeno escudo redondo, que se encaixava no antebraço, além de montar a cavalo. Sua primeira missão oficial foi em 1637, em que liderando suas guerreiras, e apenas elas, escoltou algumas famílias que fugiam da guerra para a cidade de Porto Calvo, nas Alagoas. Porém, foi na Batalha de Tejucupapo, em 1646, quando os holandeses aproveitaram que as tropas de Camarão haviam sido convocadas para proteger Salvador, seu maior teste. Tinha 56 anos quando eles atacaram. 600 holandeses, liderados pelo almirante Lichthant tentaram invadir a aldeia fortificada. Eles eram rechaçados por poucos homens com seus mosquetes, enquanto as mulheres armaram um estratagema. Elas ferveram tonéis de água e adicionaram pimenta a mistura. O vapor, levado pelo vento, foi levado direto para o exército holandês, que começou a sentir seus olhos pegando fogo. Desnorteados pela pimenta, as mulheres lideradas por Clara atacaram. Naquele 23 de abril de 1646 trezentos homens holandeses pereceram, nenhuma guerreira indígena caiu.

Sua liderança foi de tamanho peso que ela e suas guerreiras foram chamadas a participar da maior batalha da tentativa de expulsar os holandeses, a Batalha de Guararapes, em 18 e 19 de abril de 1648, ocorrida no atual município de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco. A batalha tinha como objetivo impedir que os holandeses retomassem o porto de Nazaré, no Cabo de Santo Agostinho, se apossando também de Muribeca. Para evitar isso, os portugueses, apoiados pelos negros de Henrique Dias e os índios de Felipe Camarão, montaram uma emboscada para os holandeses no monte Guararapes. Entre os restauradores do governo portugues, 84 homens morreram; entre os invasores holandeses, 1200 homens caíram. Segundo Diogo Lopes Santiago, um dos cronistas da época, os generais portugueses avançaram pelo monte, forçando os holandeses para o mangue, onde os índios de Felipe e Clara Camarão esperavam. Eles atacaram ali. Afogando seus inimigos e cortando-lhes a garganta entre caranguejos. Os holandeses tentavam fugir pela lama, mas caíam, e eram logo capturados pelos índios. Contudo Felipe foi ferido na batalha, um ferimento que o mataria quatro meses depois, aos 68 anos. Sem o marido, os documentos param de citar Clara. Talvez ela tenha resolvido retornar a Igapó e descansar, ou talvez tenha continuado no exército, sob agora a liderança de seu sobrinho, Diogo Camarão.

Porém como nos conta Igor Fagundes, por seus feitos corajosos, ela gozou das regalias do título de “Dona”, que era oferecido, segundo a lei filipina, aos grandes do reino, que neste caso seriam rainhas e princesas, membros da alta nobreza (duquesas, marquesas, condessas e baronesas) e grandes chefes militares. Conforme o Dicionário das Mulheres do Brasil, ela também recebeu a comenda de hábito de Cristo, um privilégio estritamente masculino.